Manuel Pinheiro .
É atribuída a Napoleão uma frase curiosa que cito sem grande rigor: “não se deve interromper um inimigo quando ele está a cometer um erro”.
Ora, é notório que o Governo está, pelo menos, desorientado. Costa está enfraquecido e ouvem-se vozes relevantes do PS a discordar deste estado de coisas.
Confrontado com uma opinião pública que não o bajula à passagem, Marcelo não é mais um aliado confiável. Marcelo tem um historial de se mover discretamente e de preferir ser a única estrela no firmamento político e mediático.
Neste cenário em que à desgraça governativa, o PS aliou a desorientação política, a IL anuncia uma moção de censura. Costa deve ter suspirado de alívio “nem tudo me corre mal”.
O que se vai passar no dia em que a moção for ao parlamento é previsível. Costa vai apresentar-se com um governo renovado, vai explorar as divisões internas da IL, a impreparação do PSD em ser alternativa, ainda culpará Passos Coelho de alguma coisa, e no final, ganha a votação. Tem a garantia da maioria absoluta. O PS resmunga, mas não é suicidário. Nesse dia a bancada estará unida e os comentadores apoiarão. Os telejornais vão noticiar a vitória do PS, como se esta não fosse obvia à partida. No dia seguinte tudo isto terá passado e o Governo estará numa nova fase. Os assessores inventarão um pacote de apoio qualquer para anunciar e mudar a agenda.
Costa sabe que tem de estar ao ataque e não na defesa e fará a pergunta chave: como é que a IL quer ser governo se nem líder elege, apesar de o andar a discutir na praça pública? Com ou sem razão, é isto que os telejornais vão noticiar.
Importa que a Direita tenha memória. Em Março de 2011, a rejeição do PEC IV retirou Sócrates e levou o PSD ao Governo prematuramente. O custo político de ser este a governar, espartilhado pelo acordo celebrado com a Troika que o PS chamou, foi brutal. O PSD ganhou as eleições e até as voltou a ganhar no fim da legislatura, mas ficou com o odioso dessa governação e perdeu o poder para a esquerda.
No prefácio do recente livro “Diplomacia em tempos de troika” (Luís de Almeida Sampaio, ed. D Quixote) Passos Coelho explica que o Governo tinha a credibilidade esgotada e o PEC IV nada resolveria. Mais recorda que teve de explicar tudo isto a uma renitente Angela Merkel. Tem certamente razão, mas podia e deveria ter esperado: perante o fracasso do PEC IV, Sócrates cairia maduro ou, pior, seria obrigado a mais duras medidas de austeridade. O logro da sua governação seria óbvio. Porventura Passos pensou mais no país do que no PSD, qualidade que lhe é admirável mas à qual o eleitorado não foi grato.
A opinião pública, hoje, está longe de querer mudanças governativas e, menos ainda, eleições. Ainda está confortável com a narrativa de que os problemas do país se devem à covid, à guerra e, já agora, a Passos Coelho. É certo que está a mudar, mas a procissão ainda vai no adro.
Se quer estar num governo próximo, a IL tem se fortalecer e de apresentar propostas que a opinião pública valorize. O PS tem o direito e obrigação de governar e suportar o custo político dos dias difíceis que aí vêm e para os quais muito contribui a má governação que está a fazer, assim como a narrativa da reversão das medidas de austeridade a qual, afinal, se revelou na maior carga fiscal desde a fundação da nacionalidade, algo que o país ainda não percebeu. O PS tem de levar a legislatura até ao fim sem fugir à responsabilidade.
Duas pessoas se oporão a isto: Costa, que se quer livrar de um já inevitável calvário e Marcelo, que não quer ficar na história como o apoiante de um regime decadente e que o irá minar, nem sempre na sombra.
Artigo publicado pelo Observador em 2022/12/31, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.