José Meireles Graça .
Em Novembro realizam-se eleições para a Presidência e a campanha ferve.
A opinião pública tem acompanhado com interesse, que a comunicação social alimenta com os relatos entusiasmados dos sucessivos triunfos da Kamala Harris e dos desastres de Donald Trump. Este aparece menos e explicam-nos que não tem o dinamismo, nem o brilho, nem as gargalhadas bem dispostas da concorrente.
O comentariado é quase unânime e não poucos articulistas que se dizem, e julgam ser, de direita, arregalam os olhos pávidos e, abrindo os braços de desespero, oram que a democracia está, na América, em risco. Porque o Congresso vai acabar, os seus poderes diminuídos, a Constituição subvertida, o equilíbrio de poderes (que confundem com o peso e a autonomia que várias agências governamentais minadas pela esquerda adquiriram) desaparecer? Não. Porque é assim: esquerda=democracia; direita= fascismo. Que Nosso Senhor, na Sua infinita bondade, me dê paciência.
Não há ainda sondagens mas tudo leva a crer que Kamala ganhará, em Portugal, por não menos de 80%, nas tevês ainda um pouco mais. E, do que se sabe dos outros países europeus, a vitória não será tão esmagadora mas ainda assim significativa.
Quem são eles, por trás do que dizem as televisões, os jornais e os magistrados da opinião consensual, convencional e esquerdoal?
Kamala Harris é, com perdão da distância abismal que as separa em importância, uma espécie de Marta Temido: simpaticazinha, esquerdinha e propensa a gorjeios em que se alivia de tolices embrulhadas em prodigiosa ignorância, sobretudo em questões de economia.
Marta foi abençoadamente estadear para um lugar onde o que pensa e diz irreleva; e Kamala pode aterrar na Sala Oval onde com diligência se ocupará de europeizar os EUA.
Isto quer dizer reforçar tudo o que seja público e regulamentar e crivar de impostos tudo o que seja privado. Além de promover a esquerda woke, isto é, a vaga de engenharias sociais e de linguagem que já fez com que Hollywood deixasse de ser a fábrica de sonhos para passar a ser um armazém de enjoos, a literatura universal esteja em vias de revisão para a expurgar de ofensas às florzinhas tribais de minorias que se sentem ofendidas, os heróis cancelados sob a alegação de que eram do negro tempo deles, e não do risonho e progressista de agora, e o despedimento de seus empregos de quem seja ou pareça hereticamente machista, fascista, sexista, colonialista, anti-LBGTurbo, em suma… direitista.
Do outro lado está um tipo que, se fosse Português, faria Ventura parecer um intelectual de grande densidade e quase um santo. E é claro que uma tal personagem, se candidato entre nós, seria relegado para os confins dos zero vírgula qualquer coisa por cento, não por causa da imaginária lucidez do eleitor nacional mas porque os nossos problemas não são os mesmos dos Americanos nem o nosso sistema eleitoral afunila as candidaturas.
Não é pessoa que possa ser razoavelmente desejada para marido, sogro, filho, pai, irmão, sócio, decorador, amigo ou sequer companheiro de jogo ou de mesa.
Porém, ganhou umas eleições e tem hipóteses de ganhar estas. E isso decerto porque satisfaz uma necessidade premente de uma parte do eleitorado: a que acha que o preço da ascensão meteórica da China foi a destruição de empregos no Cinturão da Ferrugem, que o reforço dos poderes do Estado se faz à custa de diminuição das liberdades, que o federalismo implica autonomia dos Estados e não a rasoira de Washington e que o imperialismo intelectual das universidades deve lá ficar confinado, e não passar para as leis e os costumes.
Acha isto e outras coisas reaccionárias. E eu, se fosse Americano, também acharia. Resta que Trump ameaça borrifar-se para a guerra na Europa, deixando de ser o patego que sustenta a NATO enquanto os pacifistas Estados europeus tratam de deixar estiolar os seus exércitos investindo no Estado Social o que não gastam na Defesa. Mesmo assim, é pouco credível que Trump venda a Ucrânia a troco do alegado bom entendimento com Putin, pela simples razão de que com isso nada teria a ganhar salvo uma poupança que o complexo-militar industrial (para pedir emprestada a virtuosa expressão que o bem-pensismo usa) não veria com bons olhos.
É, apesar de tudo, uma boa razão europeia para detestar o Donald. Salvo pelo facto de, descontando a retórica, estar na ordem inelutável das coisas que o eurocentrismo foi chão que já deu melhores uvas; o principal inimigo potencial dos EUA é a China; e o centro vital do mundo está a mudar do Atlântico para o Pacífico. O que tudo faz com que a política externa americana, ganhe o Chico ou a Chica, tenderá, quanto a assuntos europeus, a não ser muito diferente.
Na outra guerra, a do Médio Oriente, Kamala é completamente contra o terrorismo desde que os terroristas, do Hamas e outros, fiquem a salvo de represálias quando se acoitem no meio da população; e confiante em que com a adequada mistura de cedências e compromissos a teocracia iraniana até ficará bastante confiável. Trump, que não sabe Latim (aliás até de Inglês sabe pouco) obedece mais ao bordão: si vis pacem para bellum. E fala grosso, que é para ninguém ter dúvidas.
Pessoas sensatas não preveem o futuro porque ele vai acontecer de uma maneira e há inúmeras de o imaginar, além do que projectar tendências actuais não garante que estejamos a seleccionar, das muitas que há, as melhores, nem se pode contar com os imponderáveis que sempre virão a acontecer.
Todavia, é plausível que a eleição de Trump não venha a ser, a prazo, a dele mas a de Vance porque os seus 78 anos e a compleição de gigantone dão indicações ominosas sobre o futuro da sua saúde. E se viesse a ficar xexé a comunicação social não lançaria, como fez com Biden, um manto de silêncio – lá como cá o tempo em que as notícias não tinham cor política já lá vai.
Vance não é menos radical do que Trump nas suas credenciais de direita, mas é muito mais consistente. E, pecado fatal, até publicou um livro estimável e apreciado até ao momento em que foi anunciado fazer parte do ticket – agora, lido com atenção, aquilo tem traços do Mein Kampf.
De modo que, tudo visto e ponderado, em Novembro voto Trump. Espero não ser cancelado.
Artigo publicado pelo Observador em 2024/08/30, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.