Trump 2.0 – consequências para a política nacional e geopolítica global

Abel Tavares                                                                                                                                                                         .

Para os burocratas de Bruxelas e profetas da descarbonização, das quotas e agendas woke, este regresso ao realismo económico é quase uma heresia.

A História, como bem observou Hegel, tende a repetir-se, pelo menos duas vezes. Marx, com seu olhar crítico, acrescentou que a primeira vez é como tragédia, a segunda como farsa.

Oito anos após as eleições americanas que “chocaram o mundo” — ou, mais precisamente, os incautos alheios à realidade — assistimos a um déjà-vu eleitoral. As previsões de 2016, feitas por “especialistas” e sondagens, repetiram-se em 2024 mudando apenas o tom de pele: “Hillary será a primeira mulher presidente da história dos EUA”; “Será apertado, mas as sondagens indicam vitória para Kamala, que, se eleita, fará história como a primeira mulher negra presidente.”

Após uma década de surpresas eleitorais nas democracias ocidentais, tornou-se difícil fazer previsões precisas. No entanto, deveria haver mais ponderação ao considerar essas previsões, especialmente ao marginalizar uma base eleitoral que se sente abandonada e sem voz, transformando-se numa maioria silenciosa que expressa o seu descontentamento nos boletins de voto. Foi exatamente isso que não foi tido em conta em 2016 e que se repetiu em 5 de novembro de 2024.

Nada provoca mais desconforto nas elites políticas e mediáticas do que a ascensão de um outsider político cujo modus operandi foge do convencional, especialmente quando esse indivíduo é Trump.

Assim como há oito anos, grande parte dos americanos que votaram em Trump não deixaram de votar num presidente pela sua falta de filtros políticos, seus modos grosseiramente frontais, pouco ortodoxos no modo de fazer política, mas, apesar disso e também por isso, em detrimento de Kamala, que representava uma elite política de Washington hipócrita e descredibilizada, mais preocupada com causas sectárias e agendas identitárias, do que em resolver os problemas económicos e sociais que a administração da qual fez parte criou.

Entre uma elite milionária que se fez como tal através da política e uma elite americana milionária, que durante muitos anos foi vista como símbolo do “American dream” e da meritocracia, os americanos preferem sempre a segunda. O voto em Trump, tal como em 2016, foi um grito de revolta económica e social contra o globalismo financeiro, contra as agendas woke, contra a desertificação das cidades industriais e contra a imigração ilegal descontrolada — um tema que, durante anos, as elites de Washington tentaram fazer tábua rasa e tabu. Essa revolta foi tão expressiva que, pela primeira vez desde Reagan, em 1984, um candidato venceu todos os “swings states”. Um feito antes apenas reservado a cinco presidentes e que poucos previram, pois insistem em reduzir os eleitores a caricaturas simplistas e pejorativas.

Se Trump fosse apenas um fenómeno efémero, como muitos vaticinaram, como explicar o aumento do seu apoio entre diversos segmentos da população? O mesmo país que elegeu Obama em 2008 e 2012 agora deu a Trump uma vitória inquestionável. As estatísticas demonstram que Trump expandiu seu apoio junto dos latinos, negros, mulheres e eleitores de classe média-baixa. Os media evitam discutir estes números porque contrariam a narrativa de que apenas “brancos sem educação” votam Trump. Mas os factos falam por si.

Se dúvidas restassem quanto a este “fenómeno político”, na manhã das eleições de 2016, o próprio estratega político de Trump, Steve Bannon já tinha explicado, o que continua relevante: “Trump é o chefe de uma revolta populista… O que Trump representa é uma restauração – uma restauração do verdadeiro capitalismo americano e uma recusa contra o socialismo financiado pelo estado. As elites guardaram o melhor do bolo e deixaram o pior para os americanos da classe média trabalhadora. Trump percebeu-o e o povo americano também.” in Joshua Green, Devil’s Bargain – Steve Bannon, Donald Trump and the Storming of the Presidency.

Passados oito anos, os media que falharam em 2016, erraram outra vez redondamente em 2024. Como explicar que Trump tenha derrotado a máquina do establishment político, resistido a múltiplas tentativas de destruição política, judicial ou mesmo literal e regressado ainda mais forte? A resposta é simples: Trump sabe como ninguém capturar o descontentamento real de milhões de americanos e apresentar-se como solução; e fá-lo sem precisar dos media tradicionais para nada. Muito pelo contrário, venceu apesar da hostilidade ininterrupta dos grandes conglomerados de comunicação, que foram amplamente substituídos pelas redes sociais e novos canais independentes, levando até as gigantes tecnológicas a seguir Musk, a recuaram nos fact-checkers, na censura da liberdade de expressão, na imposição de agendas ideológicas, fazendo mea culpa (verdadeiro ou oportunisticamente, isso pouco interessa agora) pelo fracasso dessas políticas.

Concorde-se ou não, goste-se ou adore-se odiá-lo, é inegável que Donald Trump, apesar de todos os seus defeitos, é um animal político com sete vidas. Podemos continuar a tapar o sol com a peneira ou constatar um mero facto: as figuras que desafiam o status quo são, invariavelmente, vistas como ameaças e desconsideradas a priori antes de se tornarem uma inevitabilidade.

Quanto à política externa, os media alarmaram-se uma vez mais, se em 2016 iria começar a “III Guerra Mundial” (o oposto aconteceu), agora anunciam: – Trump procura acabar com o conflito na Ucrânia. Mas factos são factos e Trump no seu primeiro mandato foi o presidente menos intervencionista e belicista dos últimos 40 anos. Sob a diplomacia da sua administração, foram assinados os Acordos de Abraão, feito acordo de normalização de relações entre o Kosovo e a Sérvia, a relação entre as Coreias apaziguou-se, o ISIS foi destruído, e, ao contrário das previsões catastrofistas, não houve qualquer nova guerra americana. Curiosamente, há duas semanas, o próprio António Guterres, no WEF, elogiou a “diplomacia robusta” de Trump pelo papel desempenhado no cessar-fogo em Gaza — um impasse que persistia há mais de um ano.

As questões que se colocam são variadas: Se Trump representa uma aberração sociológica, como insistem alguns, como explicar tantos factos que no passado contradisseram a narrativa oficial e caricatural? Como se explica que Trump continue não só a ter um apoio inamovível, como tenha crescido tanto em tantos segmentos diferentes da população americana? Será que esta América silenciosa, tantas vezes ignorada, apenas encontra em Trump um advogado pelos seus direitos, anseios, desejos e receios?

Num tempo em que o jornalismo parece mais preocupado em doutrinar do que informar, como interpretar a ascensão e contributo das redes sociais e a erosão dos media tradicionais? Será que estamos a assistir à morte lenta do jornalismo como ferramenta de escrutínio do poder ou como seu megafone? Será o princípio do fim e o colapso de um oligopólio que há muito esqueceu a sua função primordial de informar de forma objetiva?

Na vertente económica externa, Trump promete mais do mesmo: um modelo de nacionalismo económico protecionista, apostando mais na bilateralidade do que na multilateralidade, marcado por tarifas como arma de alavancagem e arremesso político; numa clara aposta de posição de força perante a ameaça da China como segunda potência económica mundial. Será ainda possível uma guerra comercial com a União Europeia? Que perigos reais poderão vir daqui?

Relativamente à energia, Trump aposta uma vez mais na independência energética dos EUA, numa América forte energeticamente, independentemente de agendas ambientais catastrofistas, tendências da moda ou de mercado. Será este modelo um anacronismo perigoso ou uma resposta pragmática ao estado atual da economia global? Para os burocratas de Bruxelas e profetas da descarbonização, das quotas e agendas woke, este regresso ao realismo económico é quase uma heresia. Mas será realista esperar que as grandes potências do mundo livre continuem a sacrificar o seu desenvolvimento em nome de agendas políticas e sociais transnacionais? Será que a Europa pode beneficiar desta aposta energética de Trump, encontrar aqui uma forma de fugir ao Gás Russo e ser finalmente coerente?

Esta e outras questões serão discutidas dia 8 de fevereiro, no clube de Leça, por um painel de especialistas (dos de verdade, não dos impostos como tal) na próxima tertúlia organizada pela Oficina da Liberdade: “Trump 2.0: Impacto na Política Nacional e Geopolítica Mundial.” Contaremos com a participação de Jaime Nogueira Pinto, Alberto Gonçalves e André Azevedo Alves, que trarão diferentes perspetivas sobre os desafios, receios e oportunidades que esta nova administração poderá representar para os EUA e para o mundo. Não digo para aparecerem, pois já contamos com casa cheia e lista de espera, mas as conclusões da conversa serão depois tornadas públicas.

 

Artigo publicado pelo Observador em 2025/02/07, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.

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