José Meireles Graça .
Sou ainda sócio-gerente de duas fabriquetas, ambas com mais de 40 anos, ambas financeiramente sólidas, ambas com uma razoável quantidade de máquinas automáticas e ambas tendo como clientes, exclusivamente, outras indústrias.
Infelizmente há tarefas (de movimentação de matérias-primas para alimentação de máquinas e transporte para outras máquinas ou retirada do produto final, por exemplo) que requerem operários. Poderiam ser robotizadas mas o investimento seria considerável, de modo nenhum compatível com a dimensão das empresas, seu volume de negócios e carteira de clientes, para não falar dos problemas levantados por séries muito pequenas, às vezes diminutas, requeridas frequentemente para tapar buracos ou em urgências.
Não faltam por aí teóricos que opinam que empresas assim devem desaparecer e ser substituídas por gigantones com moços sentados diante de computadores, as quais podem pagar muito melhores salários, têm produtividade muito superior e – maravilha das maravilhas – até empregam economistas e doutorados, duas variedades de cidadãos que dizem estas e outras profundidades.
Isto entendem eles, o mercado acha outra coisa, e continua a achar. Porque, se assim não fosse, estariam em risco de fechar. Não estão, mesmo que geridas preguiçosa e pouco empenhadamente porque a idade de quem as fundou (não estou sozinho) recomenda há anos a venda, se aparecer gente nova, ambiciosa e com crédito (não, não temos a intenção de oferecer) para as comprar.
Pois bem: Há que tempos que lá trabalham imigrantes – têm passado ucranianos, moçambicanos, argelinos e outros. Portugueses ainda são a maioria, mas já não são novos – os novos procuram outra coisa e se não encontrarem dão à sola para pastagens mais verdes no estrangeiro.
Estes imigrantes aguentam-se geralmente pouco tempo porque são jovens, procuram melhores empregos e às vezes encontram, o trabalho é relativamente pesado e acontece terem solicitações familiares noutras terras, ou regressam à sua – motivos há muitos.
A qualidade varia, desde o medíocre até ao muito bom. Actualmente há um Nigeriano, de dois, que se distingue pela disponibilidade, empenho e rapidez de aprendizagem – veremos quanto tempo o poderemos conservar.
Não me vou dar ao trabalho de rebater o mais que previsível conselho de pagar, por exemplo, o dobro, porque teria de explicar por que razão isso não é possível; e não se pode explicar coisa alguma a quem tem um catálogo de soluções simples e inviáveis para problemas que não entende.
Este longo introito para dizer que sim, os imigrantes são necessários, a menos que se invente a maneira de convencer as mulheres a voltarem a ter filhos em grande quantidade, caso em que daqui a 20 anos o problema da imigração se resolveria facilmente fechando-lhe as portas. E se os 1,8 milhões de emigrantes portugueses regressassem, ui, que outro galo cantaria. Mas esses teimosamente deixam-se estar lá onde estão e quando vêm é de férias.
Há quem negue estas evidências, requerendo subsídios de desemprego menos generosos, regime de ausências por doença menos permissivo, despedimento massivo de funcionários públicos inúteis, e todo um catálogo de outras soluções para aumentar a oferta de trabalho. Não chegaria, mesmo que fosse viável e desejável.
E há quem antecipe o futuro promissor de com a inteligência artificial, e os prodígios tecnológicos do embaratecimento da automatização, os operários, os empregados de mesa, os trabalhadores rurais, os entregadores de comida de restaurante, os condutores de Uber e muitas outras profissões mal pagas serão uma memória do passado. Não sei, não estou no ramo da adivinhação.
Temos portanto que a imigração é necessária, mas deveríamos ter presente também que a sua medida é a necessidade e a sua prudência o cuidado com as consequências.
Se a medida é a necessidade então seria de requerer uma rigorosa fiscalização para apurar quem está realmente empregado e quais são os meios de subsistência. Isto teria também como consequência a legalização imperativa de quem está no mercado negro do trabalho. Esta legalização podemos vê-la de dois modos: ou porque a sua inexistência facilita a concorrência desleal; ou porque com ela se evitariam casos de exploração desumana (para os nossos padrões: o nosso muito mau é com frequência o bem-bom de outros países). O primeiro argumento é para a direita, o segundo para a esquerda. Para mim, titular de uma equanimidade que me honra, ambos servem. O que não serve é a bandalheira.
E os que não tiverem ocupação e já cá estejam? Deveriam obrigatoriamente ser inscritos nos centros de emprego, com limitação severa aos motivos aceitáveis de recusa de trabalho e fiscalização da prática de injustificado auto-despedimento sucessivo.
E os que sobram? Ahem, a porta da rua é a serventia da casa. E, se isso não for possível, então a limitação a novas entradas TEM DE ser severíssima, desde logo pela exigência de um contrato de trabalho.
Da atribuição de nacionalidade nem falo, quer porque a relação com este problema não é automática, quer porque o regime respectivo está em revisão no sentido (e bem) de maior exigência.
Mas o que espoletou a conveniência de escrever este artigo foram as famosas, e desastradas, declarações da esfuziante deputada Rita Matias e a cobertura que lhes deu o combativo Ventura. Ambos cometeram o erro de utilizar nomes de crianças, talvez um exemplo real, para agitar o aviso (a esquerda toda chama-lhe fantasma) de uma completa descaracterização da cultura nacional (a Pátria, se hoje não fosse mal visto utilizar a palavra) pela enxurrada de culturas alienígenas, insusceptíveis algumas de integração e outras criando provavelmente mais problemas do que os que vêm resolver. Que no caso concreto se tratasse de insinuar que crianças portuguesas são preteridas na admissão em creches por estrangeiras em razão da condição de imigrantes dos pais destas quando na realidade o que está em causa são as diferenças de recursos (as mais pobres têm prioridade) fica para a guerrilha partidária porque o assunto é mais grave do que isso.
Dois pontos prévios: O país deve ao Chega o trazer para o proscénio o assunto da imigração, que se entregue unicamente à esquerda e à parte boazinha e acobardada da direita passaria do desastre, que é um influxo de imigrantes, em 7 anos, de 421 mil para quase 1,6 milhões, ou seja, mais de 15% dos habitantes, à hecatombe; e a infelicidade do exemplo escolhido não nos deve fazer esquecer que se se tivessem sido utilizados nomes de adultos noutra circunstância qualquer o problema seria da mesma natureza sem que se tivesse facilitado a vida às demências opinativas que consistem em achar que não há qualquer risco de substituição, a prazo, da população. Daí que o deslize tenha sido cavalgado pelos defensores da generosa loucura suicidária do “venham todos, e quanto mais melhor” para se enfeitarem com a virtude de defenderem crianças enquanto o Chega evidencia o seu desprezo até mesmo pelos pobres querubins de nomes arrevesados.
Mas há problemas, dois (isto tem tendência para andar aos pares): Um é que a herança que recebemos enquanto Portugueses (não somos mais do que elos de uma antiga cadeia) não sobrevive se os recém-chegados trouxerem não apenas a memória dos países de onde são naturais mas também uma carga cultural e religiosa que não case nem com o fundo cristão da nossa identidade (mesmo para os que, como eu, não são católicos ou protestantes – o cristianismo é muito mais do que um catecismo) nem com a evolução das instituições e das leis que fizeram com que o modelo civilizacional do Ocidente tenha resultado, e há muito, culturalmente superior aos outros. Sim, há culturas superiores e inferiores porque, se não houvesse, não poderia haver progresso desta natureza porque o agora não seria melhor que o antes, nem as outras culturas, nomeadamente as prosélitas como a muçulmana, poderiam evoluir porque dessa evolução não haveria qualquer necessidade. O relativismo cultural diz que todas as culturas devem ser julgadas nos seus próprios termos. Atiram gays do alto de prédios, cortam as mãos aos ladrões, tratam as mulheres como apêndices amorfos do pai, dos irmãos e dos maridos? Que aborrecido, mas é lá coisa deles – temos de respeitar, não apenas nos países que têm em partes da lei civil e da penal a sombra da Alta Idade Média, mas, em parte, nos nossos.
Claro que não temos. E quando as taxas de fertilidade são muito diferentes convém levar em conta o que pode acontecer se admitirmos culturas que não se diluem na nossa, e pelo contrário preservam em bairros e cidades a sua identidade, mesmo na segunda geração e seguintes. Pode acontecer que os naturais deixam de gozar dos mesmos direitos que antes tinham, logo que se encontrem em minoria. E que não se venha dizer que constitucionalmente o Estado é neutro e a liberdade religiosa absoluta. Porque a Constituição Portuguesa aplica-se a Portugueses e não, pelo menos nesta matéria, a quem lhes bate à porta e lhes ofende as leis.
E o segundo problema? Ainda mais bicudo. Nas sociedades que atingem um certo nível de desenvolvimento e em que as mulheres competem no mercado de trabalho e querem construir carreiras, aquele sal da terra não quer ter filhos. Não quer porque os anos fundacionais daquelas carreiras são precisamente aqueles em que se dá à luz e se acompanham os primeiros passos das novas vidas. E portanto as que sentem o apelo da maternidade, e que são presumivelmente a maioria, não veem com bons olhos que se condenem à falta de sucesso profissional e às múltiplas dependências e sacrifícios que a sua inferioridade económica acarretaria.
Donde, é preciso compensá-las, não porque a sociedade deva comprar incubadoras humanas mas porque a ajuda é essencial para que a “carreira” de mãe não seja tão rebarbativa como é e possa competir com o potencialmente falhado sucesso profissional. E não se me venha com complicações de pais que se ocupam dos filhos, partilha de tarefas, abundância de creches, jardins de infância e retenção de jovens e adolescentes em estabelecimentos de ensino, e outras frescuras. Mãe é mãe, tudo o mais pode ser útil, necessário e indispensável – mas é uma ajuda e um sucedâneo.
As experiências feitas neste sentido em alguns países não têm dado resultados animadores porque partem do pressuposto que logo que a criança fale e possa frequentar um estabelecimento a mãe pode regressar ao trabalho. Excepto pelo facto de que nem isso é verdade nem um filho por mulher chega para repor uma pirâmide etária sã, nem um filho, e por maioria de razão mais do que um, deixa de representar um fardo que desavantaja os pais, e destes sobretudo a mãe, no mundo do trabalho e na fruição do lazer.
Há muitas mulheres que conjugam tudo, e sem serem más mães nem por isso deixam de brilhar fora de casa? Há – mas não chegam.
E tendo em esquisso levantado alguma poeira em assuntos que não são pacíficos, despeço-me com amizade até uma próxima oportunidade.
Artigo publicado pelo Observador em 2025/07/18, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.