Urbanismo – uma questão de opinião?

Rui d’Ávila                                                                                          .

O planeamento urbano não pode ser transformado numa arena de opiniões em detrimento da importantíssima segurança jurídica e da confiança no investimento.

Volta e meia, projetos urbanísticos que cumprem escrupulosamente todos os parâmetros legais e regras técnicas, são alvo de movimentos de contestação baseados em perceções subjetivas. É o caso do projeto que prevê a construção de três edifícios de 25 pisos numa zona da cidade do Porto cuja morfologia urbana é, em grande parte, de menor escala. Estes edifícios localizar-se-ão numa zona da cidade para onde o Plano Diretor Municipal definiu uma Unidade Operativa de Gestão (UOPG 1) e, ulteriormente, uma Unidade de Execução (UE 1).

O projeto que foi elaborado para a UOPG 1, a delimitação da Unidade de Execução 1 e o respetivo projeto de loteamento, prevê expressamente esta capacidade construtiva, definindo índices, usos, altura máxima e número de pisos. Ao longo do processo de elaboração do projeto foram concertadas as posições de todos os proprietários de terrenos incluídos na UOPG 1, houve lugar a Discussão Pública (em rigor, por três vezes) e, finalmente, decisão de aprovação pelo executivo camarário, com votos favoráveis de todas as forças políticas à exceção do PCP, que se absteve.

Sucede que, um dos proprietários de terrenos apresentou à câmara municipal um estudo prévio urbanístico dos tais edifícios com 25 pisos, elaborado pelo gabinete do Arquiteto Norman Foster, o qual rapidamente se tornou público e viral nas redes sociais. Nada de estranho, é saudável e natural que haja quem goste, quem não goste e quem seja indiferente. O que já não é nem saudável nem natural é que se considere que o gosto de alguns se deve impor, embrulhando esse gosto em argumentos sobre “caos urbanístico”, “aberração”, “rotura morfológica”, etc. e usando uma imagem 3D fantasiosa e enganadora. Como se uma suposta estética dominante devesse prevalecer sobre a diversidade e a criatividade.

A tentativa de travar o projeto com o argumento de que “não se enquadra” ou porque “não-se-quer-tanta-gente-a-viver-ao-meu-lado” é um abuso do conceito de participação cívica. O planeamento urbano não pode ser transformado numa arena de opiniões, sob pena de ficarmos reféns do gosto momentâneo de alguns, em detrimento da importantíssima segurança jurídica e da confiança no investimento.

Se os cidadãos discordavam do modelo urbanístico aprovado, deveriam ter-se mobilizado na altura certa: durante a elaboração do plano e no período legal de discussão pública. Esse momento já aconteceu. Hoje, colocar em causa um projeto que cumpre integralmente o quadro normativo, não é participação democrática – é bloqueio.

Mas importa pegar no tema dos edifícios em altura e na tal inserção na cidade. Exemplos internacionais mostram que a convivência entre a cidade densa e a dispersa é, não só possível, como enriquecedora. Londres, por exemplo, tem imensos edifícios com mais, muito mais, de 25 pisos, erguidos lado a lado com bairros tradicionais. A diversidade criativa não destruiu a identidade da cidade – pelo contrário, reforçou-a, permitindo que tradição e economia coexistam. A contrario, veja-se o exemplo do que é um bairro de moradias unifamiliares extenso, do ponto de vista da vivência da cidade. Vive-se e dorme-se muito bem naquelas magníficas moradias, mas experimente-se ir lá tomar um café, comprar um jornal, ver umas montras. Serão centenas de metros de ruas e passeios sem nenhum equipamento, sem nada para fazer, sem convívio, enfim, a vida está confinada às moradias. O que falta é a diversidade arquitetónica, é a densidade dos edifícios de habitação coletiva e o espaço público usufruível que os edifícios em altura permitem.

Outro argumento usado, desta vez contra a densidade construtiva da Avenida Nun’Álvares é o inevitável aumento populacional da zona e a falta de infraestruturas para lhe dar resposta. Argumento errado, contudo. Primeiro porque os edifícios trazem consigo uma Avenida, isto é, mais uma artéria no organismo da cidade para facilitar deslocações de carro, bicicleta, a pé ou de transporte público, depois porque a edificação em altura permite que estejam previstos mais de 50 000 m2 de espaços verdes públicos e, finalmente, porque é esta população que lá irá viver que vai suscitar o aparecimento de novos equipamentos e comércio. Sempre assim foi, nas cidades.

O debate sobre o urbanismo é saudável e necessário, mas tem regras e momentos próprios. O que não se pode aceitar é que, depois de concluído o processo técnico de planeamento, feito democraticamente, um grupo de cidadãos tente reabrir indefinidamente (aqui o termo tem em consideração que a Avenida está a ser planeada há quase cem anos), a discussão, apenas porque não gosta do resultado. No essencial, estão a exigir que os nossos representantes na autarquia votem novamente, mas desta vez bem, de acordo com o que eles “acham” que deve ser feito. Aliás, se nos queremos guiar por opiniões, tenha-se em consideração o que disseram ilustres arquitetos e urbanistas numa mesa-redonda recentemente promovida pela secção regional norte da Ordem dos Arquitetos (retirado da página da Ordem dos Arquitetos Avenida Nun’Álvares em debate: mesa-redonda promove reflexão aberta sobre a cidade em transformação | OA – Notícias), que aqui reproduzo, apenas para demonstrar que opiniões há muitas e ainda bem: do Prof. Doutor Fernando Brandão Costa: “as torres poderão vir a desempenhar um papel estruturante no território urbano” e “a Foz e Nevogilde só têm a ganhar com esta operação”. Ou o Prof. Doutor Paulo Farinha Marques, que considerou o Projeto bem estruturado, embora alertando para a baixa densidade demográfica. Ou, ainda, o Arquiteto Luís Soares Carneiro que “rejeita uma leitura alarmista, lembrando que as estruturas de grande altura já existem na freguesia de Aldoar”.

O urbanismo é gerido por critérios técnicos e tem regras claras, não por opiniões estéticas individuais. Caso contrário, estaremos a minar a credibilidade dos instrumentos de gestão territorial e a abrir caminho para uma cidade paralisada pela subjetividade. Já nos chegou, a nós contribuintes, a demolição do prédio Coutinho, só porque “não se enquadrava”.

 

Artigo publicado pelo Observador em 2025/09/05, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.

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