Terrorismo ou democracia

Rafael Campos Pereira                                                                    .

O Estado supostamente dos judeus assimilou e integrou dois milhões de cidadãos árabes, mas todos os Estados árabes e/ou muçulmanos em redor perseguiram, mataram ou expulsaram os judeus que lá viviam.

Com base em informações não escrutinadas da responsabilidade de movimentos terroristas, durante os dois últimos anos Israel foi infamemente acusado de ser um estado genocida, apesar de jamais o Tribunal Penal Internacional ter reconhecido a existência dos pressupostos indispensáveis para o efeito.

As acusações foram avançadas logo em 8 de outubro de 2023, no dia imediatamente a seguir àquele em que cinco mil e quinhentos terroristas vindos de Gaza, fortemente armados, invadiram Israel e massacraram mais de mil civis, entre os quais muitas crianças e bebés.

Se por acaso fossemos movidos pelo mesmo de tipo de teorias especulativas que sempre estiveram na base das acusações ao estado de Israel, ousaríamos dizer que os mentores dos dedos acusadores em riste – que não se dignaram sequer lamentar a chacina perpetrada pelo Hamas -, saberiam antecipadamente o que iria acontecer.

Entre Israel e o Hamas eclodiu a partir de então uma guerra absolutamente inédita na História da humanidade, em que as forças armadas de um estado de direito foram obrigadas a enfrentar um grupo de terroristas que fazia questão de capitalizar a morte de civis para propaganda e intoxicação da opinião pública no ocidente. Uma propaganda, sublinhe-se, muito amplificada pelo ressentimento e pelo ódio dos que, precisamente no ocidente, não suportam o extraordinário sucesso económico, social e tecnológico alcançado por Israel desde 1948 até aos nossos dias. Exactamente os mesmos que não toleram os valores ocidentais, as democracias liberais, o capitalismo e o fracasso estrepitoso e persistente das ideias socialistas.

A acusação de genocídio, que na maioria dos casos sempre teve como alicerces um muito mal disfarçado anti-semitismo, é não só um insulto à História como se revela ofensiva e desrespeitosa para a memória do Holocausto nazi, do Holomodor na Ucrânia ou do massacre dos arménios pelos turcos.

Ao mesmo tempo funcionou deliberadamente como um manto espesso e opaco que ajudou a ignorar de forma perversa e insensível o sofrimento contemporâneo de cristãos nigerianos ou de arménios do Nagorno-Karabakh, esses sim, objecto de ataques violentos com intenções genocidas.

É desonesto acusar-se de genocídio quem antes de cada ataque militar avisa as populações para fugirem dos alvos militares – e para esse efeito envia mensagens telefónicas e distribui panfletos por via aérea -, quem abre corredores para os civis escaparem e quem permite a entrada de ajuda humanitária através da sua fronteira.

É irresponsável que se qualifique como genocida ou de fomentar o apartheid, um estado em que são ou foram árabes vários ministros, deputados, directores de jornais, o CEO do maior banco do país, chefes da polícia, oficiais do exército, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e cerca de 15 por cento de todos os magistrados do país.

O governo de Israel cometeu obviamente erros e excessos no contexto das suas operações militares em Gaza. Seguramente não tão perversos como os praticados pelo exército vermelho na ocupação da Alemanha, os dos ataques nucleares a Hiroshima e Nagasaki ou mais recentemente os verificados no Ruanda, no Iémen, no Curdistão, no Sudão do Sul e na Ucrânia, mas ainda assim não toleráveis. Inclusivamente, não só Netanyhau mostrou frequentemente não ser digno de exercer o cargo de Primeiro-Ministro de Israel, como alguns dos seus parceiros de coligação são inapresentáveis.

Em todo o caso, seria possível conter e derrotar, sem excessos, os que impediam de forma perversa e ostensiva o seu próprio povo de escapar aos bombardeamentos, armadilhavam deliberadamente hospitais e transformavam escolas em bases de lançamento de mísseis?

Como reagir face a um conjunto de inimigos declarados que desde havia décadas anunciava a intenção de destruir o estado de Israel e manifestava propósitos objectivamente genocidas de matar até ao último judeu – sempre sem o mais leve juízo de censura por parte dos indignados à la carte?

Israel desde sempre aceitou a solução de dois estados: um para judeus e árabes e o outro apenas para árabes.

Mais ainda, ao mesmo tempo em que o estado supostamente dos judeus assimilou e integrou dois milhões de cidadãos árabes, todos os estados árabes e/ou muçulmanos em redor perseguiram, mataram ou expulsaram os judeus que lá viviam. Estados esses que, durante décadas, não demonstraram igualmente qualquer interesse no sentido de garantir a criação do suposto estado palestiniano.

Inclusivamente, na sequência da guerra da independência de Israel em 1948, o território de Gaza ficou sob administração do Egipto e a Cisjordânia (ou West Bank ou Judeia e Samaria) foi tomada pela Jordânia. E assim ficaram as fronteiras até ao final da Guerra dos 6 Dias, em 1967, quando Israel finalmente recuperou tais territórios.

Suscita absoluta perplexidade que, durante os 19 anos em que administraram os territórios em apreço, nem a Jordânia nem o Egipto tenham concedido a soberania em Gaza e na Cisjordânia aos seus irmãos árabes ditos palestinianos.

Pelo contrário, a Jordânia considerava os habitantes da Cisjordânia como seus cidadãos, ao passo que o Egipto administrava Gaza sem permitir qualquer autonomia aos respectivos habitantes.

Causa igualmente enorme estupefacção que nenhum outro governo da região tenha reclamado a criação de um estado palestiniano nesses territórios, antes da criação da Organização de Libertação da Palestina em 1964 por um conjunto de cidadãos patrocinados pelo Presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, sendo certo que, até então, a questão palestiniana era essencialmente tratada como um problema de refugiados e uma causa pan-árabe.

Não obstante todos esses desenvolvimentos históricos recentes, a chamada causa palestiniana reinventa-se sistematicamente, criando novos argumentos à medida que os anteriores vão sendo desmentidos.

Por isso mesmo, apesar da aceitação do plano proposto por Donald Trump, os obstáculos a uma paz duradoura continuarão muito difíceis de ultrapassar. A partilha de Jerusalém, a Cúpula da Roca, a memória do Templo de Salomão, o túmulo de José em Nablus, os colonatos e ainda o ressentimento acumulado, serão entraves geradores de muitos escolhos. Ainda assim, o maior constrangimento será seguramente a instrumentalização da causa palestiniana pelos terroristas e por grupos de anti-semitas ocidentais, os quais fazem questão de recusar aos judeus o direito ao conforto de uma pátria.

Em todo o caso, no imediato, as previsões parecem fáceis de fazer.

Em Gaza, os terroristas irão transformar-se rapidamente em putativas forças de segurança e estão já a tratar de eliminar fisicamente todos aqueles que se lhes oponham ou que pura e simplesmente decidam qualificar como colaboracionistas e traidores. Sem vontade alguma de lamentar as atrocidades que infligiram a israelitas e gazanos.

Já em Israel, os erros e as responsabilidades serão apurados como é próprio das democracias e dos estados de Direito: nas urnas e nos tribunais.

 

Artigo publicado pelo Observador em 2025/10/16, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.

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