Alejandro A. Chafuen .
Segundo os registos do Facebook, sou amigo de Javier Milei há mais de 11 anos. Devido ao seu estilo tão agressivo com os críticos, alguns deles liberais e amigos meus desde a juventude, mantive durante algum tempo certa distância. Tudo mudou quando, antes da sua vitória presidencial, uma pessoa muito admirada na Argentina, Diana Mondino, se juntou à equipa de Milei. A minha vida recebeu então um impulso positivo muito importante. Eu já colaborava com um think tank semelhante, em certa medida, à Oficina da Liberdade: a Fundação FREE, sediada na Argentina. O jovem fundador e líder da FREE, então deputado uruguaio, Pablo Viana, era amigo pessoal de Diana Mondino e incentivou-me a aderir.
Javier Milei ganha as eleições presidenciais e nomeia Diana Mondino ministra dos Negócios Estrangeiros. Viajei de urgência a Buenos Aires nesse inesquecível Dezembro de 2023. Pude conhecer muitas das pessoas que acabariam por integrar o novo governo. Um ano depois, Donald Trump reassume a presidência dos Estados Unidos. Vários amigos e colegas meus colaboraram com Trump desde o início em várias áreas: económica, educativa, energética e de segurança nacional. Kenneth Blackwell, um dos meus colegas num conselho universitário, foi o responsável por formar a equipa interna do primeiro mandato de Trump.
Dadas estas ligações, grande parte do meu trabalho neste último ano tem sido apresentar o que considero o melhor da equipa de Milei ao melhor da equipa de Trump, e vice-versa. Por isso, creio que a minha melhor contribuição para os amigos da liberdade em Portugal e noutros países é explicar brevemente como vejo esta relação entre os Estados Unidos e a Argentina e o modo como ela pode influenciar a batalha das ideias tanto na Argentina como na Europa.
Milei foi e continua a ser o fator de ruptura na Argentina. No mundo liberal-conservador, antes da irrupção de Milei na política, apenas o influente intelectual Agustín Laje crescia de forma vertiginosa. Milei fez a narrativa liberal e libertária expandir-se exponencialmente. Agustín Laje fortaleceu a narrativa cultural que acompanha a agenda económica de Milei. Ambos permanecem unidos nesta admirável batalha.
Embora Milei tenha aplicado medidas liberais radicais em vários domínios, optou por uma equipa de especialistas em finanças e economia de perfil mais tradicional. Os seguidores de Ludwig von Mises e Murray Rothbard, como Alberto Benegas Lynch (filho), estão colocados no pedestal das honras, mas não no gabinete. Alguns economistas “austríacos”, como Adrián Ravier, entraram agora no Congresso e acompanharão a ação a partir daí. Luis “Toto” Caputo, ministro da Economia, está a fazer um excelente trabalho, e Federico Sturzenegger, ao desmantelar regulações, realiza algo de heróico. Mas tudo isto só é possível porque quem define o rumo é Milei.
A Argentina, aproveitando este momento em que os dois maiores países da América Latina, Brasil e México, são governados por líderes de esquerda, está a posicionar-se como o principal aliado dos Estados Unidos na região. A economia norte-americana, para colocar as coisas em perspetiva, é quatro vezes maior do que toda a economia latino-americana junta. A economia argentina é comparável à de um estado médio dos EUA, como a Geórgia. O apoio dos EUA à Argentina de Milei deve ser entendido não como uma questão de conveniência económica, mas como uma necessidade geopolítica.
Como estão a reagir as forças políticas próximas de Trump a este apoio a Milei? Em linhas gerais, existem hoje três círculos ideológicos a disputar, por vezes a juntando-se, exercer influência. Trump está no centro. Um círculo é o dos populistas: a figura principal é Steve Bannon, mas o mais próximo do poder é Stephen Miller. Outro círculo é o dos nacionalistas, sendo os “nacionalistas conservadores” os mais bem estruturados. O terceiro é o dos conservadores. Dado o pragmatismo não-ideológico de Trump, quanto mais filosófico ou doutrinário for um conservador, menor a sua influência no centro do poder. Todos os três grupos vêem o avanço da China na América Latina como um grande problema.
Apesar da afinidade ideológica de Milei com muitos dos intervenientes nesses círculos, e com a CPAC, a influente associação conservadora, a relação mais importante é com o presidente Trump e o seu secretário do Tesouro, Scott Bessent. No dia seguinte à sua última vitória, ao ouvir os elogios de Trump, Milei respondeu agradecendo-lhe e elogiando o trabalho excepcional de Bessent, bem como a visão, o conhecimento e a profundidade do secretário de Estado Marco Rubio. No campo cultural, tão importante para Milei, antecipo uma excelente relação com o vice-presidente JD Vance, que considero mais próximo do populismo nacionalista. Tudo isto posiciona a Argentina de Milei como uma aliada de longo prazo dos EUA, caso Vance ou Rubio venham a chegar à presidência em 2028.
E como afeta isto a Europa? Itália e Hungria são os dois países europeus onde aliados de Milei se encontram no governo. É notória a boa amizade entre Javier Milei e Giorgia Meloni. Viktor Orbán foi o líder europeu que, juntamente com Santiago Abascal, passou mais tempo ao lado de Milei durante a sua tomada de posse em Dezembro de 2023.
Os três países europeus com maior presença no universo das ideias liberais e conservadoras na Argentina são a Alemanha, a Espanha e a Hungria. As fundações dos partidos políticos alemães são as que mais investiram na Argentina. A Fundação Friedrich Naumann está por trás de uma rede de organizações, RELIAL, que desde que começou a promover programas “woke” tem perdido importância no mundo liberal tradicional. Um dos seus políticos favoritos, Ricardo López Murphy, acaba de perder o lugar no Congresso. Outra figura próxima da RELIAL, Patricia Bullrich, juntou-se à equipa do anti-woke Javier Milei. As fundações próximas do governo de Viktor Orbán, na Hungria, são as que mais sintonizam com a equipa de Milei nos temas de valores e cultura.
Em Espanha há dois esforços com presença na Argentina e na região: um é liderado pela Fundação Disenso, ligada ao partido Vox; o outro é o CEFAS, o Centro de Estudos com projeção internacional que integra a maior universidade católica de Espanha (CEU San Pablo). O maior projeto da rede Disenso é o Foro de Madrid. O CEFAS foca-se mais na formação de líderes. Tanto do lado do Vox como dos seus amigos húngaros, há maior afinidade no plano cultural; com o CEFAS, há terreno comum em praticamente todas as áreas.
O fenómeno Milei pode servir de inspiração em muitos países, como Portugal, mas não há dúvida de que, por afinidade cultural e laços económicos, é em Espanha que o sucesso ou fracasso de Milei poderá ter maior impacto, e daí irradiar para o resto da Europa. É lógico prever que o crescimento dos partidos da ala “patriótica” e de outros conservadores europeus aumentará o número de iniciativas europeias para estabelecer laços com os seus pares na Argentina e no resto da América Latina. Em boa hora!
Artigo publicado pelo Observador em 2025/10/31, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.
