John C. Pinheiro .
A primeira grande proclamação do Papa Leão XIV é a Dilexi Te (“Amei-te”), uma exortação apostólica dirigida “a todos os Cristãos” sobre o cuidado dos pobres. O Papa Francisco preparava este texto quando faleceu. Leão concluiu o projeto e declarou estar “feliz por torná-lo meu acrescentando algumas reflexões pessoais.”
As exortações não costumam introduzir desenvolvimentos doutrinários nem analisar a complexidade das questões com o rigor de uma encíclica. Como o próprio nome indica, o objetivo de uma exortação é convidar os fiéis à ação.
Mas o que é que a Dilexi Te exorta concretamente os cristãos a fazer?
A Dilexi Te convida-os a demonstrar uma preocupação especial pelos pobres e vulneráveis, e a medir o valor de uma sociedade pela forma como os trata. O documento é bem-sucedido enquanto exercício espiritual, sobretudo pelo seu enfoque Cristológico na esmola.
O que todo o leitor crente deve compreender, contudo, é que saber como exactamente cuidar dos pobres exige conhecer os dados sobre as causas complexas da pobreza e aplicar a virtude da prudência nas soluções que se tentam adoptar.
Segundo Leão XIV, a Bíblia e os pais da Igreja, tanto do Oriente como do Ocidente, “afirmam que as oferendas, quando nascem do amor, não apenas aliviam as necessidades do irmão ou da irmã, mas também purificam o coração de quem dá.”
A vida e o ensino de Jesus, diz o Papa, mostram que “ninguém pode amar Deus sem estender o seu amor aos pobres.” O pontífice recorda que Jesus iniciou o seu ministério público numa sinagoga, declarando ter sido “ungido para anunciar a boa-nova aos pobres.”
Leão XIV sublinha como, desde os primeiros séculos da Igreja, os mosteiros, ordens religiosas e pessoas individuais levaram “a boa-nova aos pobres.” A lista é extensa: inclui Ambrósio, Agostinho, Policarpo, Justino Mártir, Cipriano, Bento, João Crisóstomo e Basílio. Aparecem também santos medievais como Domingos e Francisco, e figuras menos conhecidas como Camilo de Lellis e Vicente de Paulo.
A lista de personagens do Papa serve para demonstrar de forma irrefutável que cuidar dos pobres não é um acrescento opcional à fé Cristã. Pelo contrário, a vida Cristã e a salvação implicam ver “o próprio sofrimento de Cristo” nos “rostos humanos dos pobres.”
Dessa lista extraem-se ainda duas conclusões implícitas.
A primeira é que, embora esses exemplos de amor heroico sejam profundamente inspiradores, como Leão pretende, mostram também que a ação individual importa muito. O mesmo se aplica à caridade pessoal. O amor não é uma técnica, e não existe solução técnica para a pobreza.
A segunda implícita conclusão que podemos retirar da história apresentada pelo Papa diz respeito ao papel dos agentes não estatais na mitigação da pobreza. Os Cristãos não devem delegar a caridade no Estado. Quando se presume que a pobreza é sobretudo responsabilidade do Estado, a tendência é para deixar de ser caritativo porque acreditamos que outro alguém já o faz por nós. O resultado é o oposto de uma disposição amorosa para com os pobres.
O Papa Leão XIV deixa claro que um Cristão não pode não amar os pobres e permanecer um Cristão com fé. Tomás de Aquino definiu o amor como “querer o bem do outro.” Para querer verdadeiramente o bem do outro, é preciso conhecer primeiro o que é esse bem, o que o impede e o que podemos fazer para remover os obstáculos.
Isto levanta novas perguntas, perguntas que Dilexi Te não aborda. Estas questões incluem quem são os pobres, onde estão “os pobres” e porque são pobres.
Só conhecendo as respostas a estas questões, que irão variar segundo o tempo, o lugar e a pessoa, poderemos saber qual a melhor forma de cuidar deles como pessoas dotadas de capacidades criativas inatas e não como objetos ou “problemas a resolver.”
A ajuda direta pode bem ser o que mais urge para um deslocado pela guerra ou pela opressão. No mundo desenvolvido Ocidental, porém, as raízes da pobreza encontram-se muito mais frequentemente no abuso físico ou sexual, na desagregação familiar, na educação deficiente ou na dependência de drogas.
O Papa Leão reconhece que “existem muitas formas de pobreza”. Estas incluem “a pobreza de quem carece de meios materiais de subsistência; a pobreza de quem é socialmente marginalizado e não tem como expressar a sua dignidade e talento; a pobreza moral e espiritual; a pobreza cultural; a pobreza daqueles que se encontram em situação de fraqueza ou fragilidade; a pobreza de quem vive sem direitos, sem espaço, sem liberdade.”
Infelizmente, a Dilexi Te, devido ao seu enfoque espiritual na esmola, não conserva de forma consistente esta visão holística da pobreza. Mas como deve ser a esmola no século XXI? Que forma deve tomar na África subsaariana onde vive a maioria dos que se encontram em pobreza extrema? Será diferente no sul da Ásia do que na América do Sul? Será diferente na Europa Ocidental do que nos Estados Unidos?
Segundo as Nações Unidas e o Banco Mundial, houve uma redução significativa da pobreza global desde 1990. Em números redondos, mais de mil milhões de pessoas saíram da pobreza. A taxa de pobreza extrema era de 38% em 1990. Em 2014 desceu para 11,2%. Ronda hoje os 10%.
O Papa Leão afirma: “Por vezes, invocam-se dados pseudocientíficos para sustentar a tese de que a economia de mercado resolverá automaticamente o problema da pobreza.” Serão estes dados da ONU os dados “pseudocientíficos” a que se refere? Serão estas as estatísticas que o Papa diz “são interpretadas para convencer-nos de que a situação dos pobres não é assim tão grave”?
Devemos interpretar e compreender os dados, não os descartar.
De acordo com a ONU, a maior parte da pobreza extrema concentra-se na África subsaariana. Será que a esmola, por si só, criará as condições para que homens e mulheres construam famílias prósperas? Ou será necessário algo mais?
Muitos lugares da África Subsahariana carecem de Estado de Direito sólido e proteção da propriedade privada. Estas mesmas áreas sofrem com a corrupção, a burocracia regulatória, a guerra e o deslocamento de populações. Esses fatores combinam-se para manter as pessoas na pobreza e para criar as condições para a pobreza. Isto é “a economia que mata.”
Mais uma vez, a forma de ajudar os pobres depende de quem são, onde estão e porque o são. Que tipo de economia lhes permite criar prosperidade, em vez de os condenar à miséria?
João Paulo II, numa encíclica infelizmente pouco citada na Dilexi Te, respondeu exactamente à questão sobre que economia favorece a criação de prosperidade para as pessoas. “A solução marxista falhou”, escreve João Paulo II na Centesimus Annus, “mas as realidades da marginalização e da exploração persistem no mundo, especialmente no Terceiro Mundo.” E acrescentou que existe também a pobreza da “alienação humana, particularmente nas sociedades mais avançadas.”
Será então o “capitalismo” a resposta? João Paulo II reconheceu a complexidade da questão:
“Se por ‘capitalismo’ se entende um sistema económico que reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e da consequente responsabilidade pelos meios de produção, bem como a livre criatividade humana na esfera económica, então a resposta é certamente afirmativa, embora talvez seja mais apropriado falar de uma ‘economia empresarial’, ‘economia de mercado’ ou simplesmente ‘economia livre’.
Mas se por ‘capitalismo’ se entende um sistema em que a liberdade económica não está circunscrita por um quadro jurídico sólido que a coloque ao serviço da liberdade humana na sua totalidade, e que o vê como um aspecto particular dessa liberdade, cujo núcleo é ético e religioso, então a resposta é certamente negativa.”
A Dilexi Te parece identificar a “economia que mata” com a “economia livre” ou “de mercado” elogiada por João Paulo II, e não com a que o próprio Papa polaco condenava.
Estaria João Paulo II, então, a envolver-se no “pensamento económico” que Leão XIV diz “requer que esperemos que as forças invisíveis de mercado tudo resolvam”? Não. É, de facto, praticamente impossível encontrar alguém que compreenda os princípios da Doutrina Social da Igreja e que defenda tal coisa. Incluindo os que acreditam que a melhor forma de reduzir a pobreza é a livre economia louvada por João Paulo II.
A verdadeira superação da pobreza assumirá formas diferentes no mundo desenvolvido e no mundo em desenvolvimento, porque as causas são distintas. É por isso que devemos estudar os fatores que estiveram por trás da redução histórica da pobreza extrema, sobretudo na Ásia meridional e oriental, onde esta caiu drasticamente nas últimas décadas.
Leão tem razão ao afirmar que a economia de livre mercado “não resolverá automaticamente o problema da pobreza.” Contudo, nem a esmola o fará, seja nas sociedades ocidentais dominadas por uma cultura da morte, seja nos lugares onde impera a cultura do desespero, porque a natureza criativa humana está sufocada pela corrupção e ausência de lei.
Haverá sempre necessidade de caridade pessoal e da esmola. Mas a proteção da propriedade privada e o Estado de Direito, porém, provaram ser essenciais para a criação de prosperidade.
Artigo publicado pelo Observador em 2025/11/01, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.
