Ele, a mulher

Maria Villaret Frischknecht                                                       .

Joana é mulher. Tem cabelos compridos, usa batom vermelho, tem pestanas alongadas por rímel negro e veste um vestido curto com saltos altos. Joana tem órgãos sexuais masculinos, mas é mulher. É mulher porque assim o diz e porque se veste como uma mulher. E basta.

Joana tem a voz grossa, nunca teve dores menstruais, nunca sofrerá de cancro nos ovários, nem nunca se sentiu mais pequena ou ameaçada pelos homens, do alto do seu metro e oitenta e cinco. Mas é mulher. É mulher porque diz que é, e porque para ser mulher bastou-lhe vestir-se como um estereótipo de mulher.

Joana fica ofendida quando a ela se dirigem usando os pronomes errados – ela não é “um senhor”, é uma mulher. Não conseguem estes energúmenos ver que ela tem todas as características de uma mulher? Não conseguem ver que, para ser mulher, basta colocar maquilhagem na maçã de Adão, colocar enchumaços nos seios e vestir roupa cor-de-rosa? Enfim.

A Joana gosta de mulheres – ela é uma mulher lésbica. Joana fica zangada quando alguns ignorantes a acusam de ser apenas um homem heterossexual. São uns transfóbicos.

O João, vizinho de Joana, gosta de se vestir de mulher – o João é homem, ele próprio o diz. O João acha que as suas preferências apenas a si lhe dizem respeito. O João não impõe a ninguém que o considere uma mulher – ele acha que isso é absurdo. O João deve estar confuso.

O João não mudou o seu Cartão de Cidadão – ele acha que continua a ser homem, pois o seu ADN assim o diz. Mas a Joana tem um F no seu documento de identificação: seria uma violência obrigá-la a identificar-se como sendo do sexo masculino. Isso é mentira, ela é uma mulher. Enfim.

O João acha que a sua preferência pessoal deve ser respeitada e deixada à sua discrição – mas também é da opinião que essa preferência não deve ser imposta aos demais, nem sancionada com um estatuto jurídico reconhecido.

O João, quando foi preso, cumpriu a sua pena junto de homens. A Joana, se for presa, cumprirá a sua junto de mulheres, como deve ser. Ela é uma mulher, como a reclusa Raquel Teresa, que antes era Miguel, que ficou alojada na cadeia feminina da prisão de Tires. Ela é uma mulher. Ela diz que é uma mulher, e isso basta.

O João acha que isto é tudo uma parvoíce – o João é misógino, dizem as associações LGBT. O João não apoia a sua própria causa, dizem os seus amigos. O João não apoia os direitos das mulheres, dizem os seus colegas.

Mas o João acha que ser mulher não se cinge a usar um vestido, maquilhagem e saltos altos. Ele acredita, pasme-se, que uma mulher é mais do que a sua aparência física.
O João é um idiota – não percebe nada de mulheres.
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