Maria Villaret Frischknecht .
Para a maioria dos Portugueses, uma simples ausência do trabalho exige uma coreografia quase militar. Não se trata apenas de avisar: é preciso pedir autorização, preencher formulários, negociar com colegas e alinhar agendas.
Não é, contudo, o caso de todos os nossos concidadãos. Há alguns privilegiados que, por via das suas funções, podem ausentar-se durante largas semanas, sem assegurar qualquer substituto nem a continuidade das suas obrigações laborais.
Poderia dizer-se que estes afortunados o fazem porque as suas funções não têm carácter urgente, nem carregam qualquer peso institucional relevante. Mas isso não explicaria o estranho caso de Mariana Mortágua, Deputada única do Bloco de Esquerda que, há várias semanas, se encontra ausente do seu local de trabalho, a Assembleia da República Portuguesa.
Poderíamos sentir-nos tentados a entrar no mérito das razões da sua ausência e iniciar uma longa reflexão sobre se uma missão pseudo-humanitária no estrangeiro é causa suficiente para uma Deputada eleita pelo povo Português não aparecer em São Bento: mas aí estaríamos a desviar-nos da questão central. É que a maioria de nós, por muito nobres intenções que tenhamos, não pode passar três semanas numa flotilha a navegar pelo Mediterrâneo.
E, no mundo real, a grande maioria dos chefes das empresas privadas – e dos organismos públicos (que não a Assembleia da República) – não veria com bons olhos um funcionário que informasse, unilateralmente, que ia partir numa embarcação, com data de regresso indefinida, para fazer algo completamente alheio às suas funções. Aliás, seria bastante comum e até expectável que, quando esse trabalhador voltasse, o seu lugar já não lá estivesse — ou então que fosse, entretanto, tomado por um substituto, a adiantar o trabalho das últimas semanas e a correr atrás do prejuízo.
Não é o caso da Deputada Mortágua: ao contrário dos transportes públicos, nas flotilhas, quem vai ao ar, não perde o lugar.
Parece que, para ela, abandonar as suas funções institucionais ao abrigo de uma missão publicitária sem fim nem terra à vista é justificação suficiente para que os seus eleitores fiquem sem representação nas Comissões Parlamentares e no Plenário.
Assim, coloca-se a derradeira questão: será Mariana Mortágua a trabalhadora mais privilegiada de Portugal ou terá ela funções que, afinal, não fazem falta nenhuma?
Artigo publicado pelo Observador em 2025/09/26, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.
