Samuel Gregg .
Por todo o mundo ocidental, os grupos pós-liberais de direita estão a proliferar. Os pós-liberais não concordam em tudo, e as suas críticas ao que chamam liberalismo variam. Mas se há algo que partilham é um profundo cepticismo em relação ao mercado livre.
Nos seus trabalhos escritos, os pós-liberais insistem ser necessário o Estado orientar a economia para a realização de objectivos específicos. Os fins que têm em mente variam entre amplos e vagos (“mais localismo”, “maior comunidade”, etc.) e objectivos específicos, como forçar um ajustamento sectorial, afastando-se dos serviços e direccionando-o para a indústria. Dependendo de qual o pós-liberal a que nos estejamos a referir, os meios podem incluir o aumento das despesas com a assistência social, sindicatos maiores, tarifas mais elevadas, mais regulamentação e política industrial, subsídios para incentivar o crescimento demográfico ou a participação do Estado em empresas, para citar apenas alguns exemplos.
Infelizmente para os pós-liberais, todas estas medidas trazem consigo problemas bem conhecidos. As tarifas, por exemplo, minam a competitividade das empresas e das economias e aumentam os preços para todos. A política industrial alimenta o nepotismo e pressupõe um conhecimento sobre o futuro que os humanos não possuem. Os grandes Estados de bem-estar social produzem dependência e uma enorme dívida pública. Os grandes sindicatos comprometem gravemente a flexibilidade do mercado de trabalho.
Sempre que estes pontos são levantados, poucos pós-liberais manifestam grande disponibilidade para repensar a sua posição. O pós-liberalismo caracteriza-se por um desinteresse em compreender as verdades económicas e, nessa medida, é marcado por um alheamento económico livremente escolhido.
Cegueira perante factos
Esta cegueira consciente torna-se óbvia quando se examinam retratos pós-liberais das nossas actuais circunstâncias económicas. Ouvindo os pós-liberais contemporâneos, poder-se-ia pensar que, até recentemente, a política económica em todo o Ocidente tem sido dominada pelos liberais de mercado desde a década de 1980.
É difícil minimizar o quão imprecisas são estas alegações. Tomemos, por exemplo, os gastos do governo. Em 2024, a média dos países pertencentes à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico para as despesas gerais do Estado em percentagem do PIB foi de uns chocantes 43%. Ninguém se surpreenderá que a França tenha apresentado o valor mais elevado, com pouco menos de 60%. Mas o último número registado nos Estados Unidos (2023), de 39%, deverá fazer com que algumas pessoas hesitem antes de rotular os Estados Unidos como a terra dos mercados desregulados. A questão para os pós-liberais é esta: em que universo tais números mostram que as nações ocidentais foram invadidas por um capitalismo selvagem a partir de 1980?
A proliferação da regulamentação e do bem-estar social fornece mais provas de quão profundamente o Estado está imerso na vida económica quotidiana ocidental. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Código de Regulamentos Federais cresceu de menos de 10.000 páginas em 1950 para umas astronómicas 190.260 páginas em 2023. Aliás, este crescimento continuou inabalável no auge do “neoliberalismo” durante as administrações Reagan, Bush I, Clinton e Bush II. Quanto à assistência social, do outro lado do Atlântico, aproximadamente 23% da população em idade activa da Grã-Bretanha recebe algum tipo de benefício público. Eis o triunfo do Thatcherismo.
Estes e muitos outros pormenores ilustram que não vivemos em economias laissez-faire. Salientam ainda que, em muitos aspectos, os liberais de mercado têm sido espectacularmente mal sucedidos na inversão da constante invasão do Estado nas economias ocidentais, iniciada há mais de um século.
Sempre que apresentei estes argumentos a pós-liberais, as respostas foram reveladoras. Incluem afirmações de polida indiferença (“isto é interessante”) ou non-sequiturs, como o omnipresente “não conhece o tempo presente”. O mais revelador, no entanto, é que muitas respostas reflectiram um cepticismo generalizado em relação à economia em si mesma. Um proeminente pós-liberal descreveu-me em tempos a economia como um “grande mistério”. Outro descartou-a como “materialismo glorificado”.
Aí reside um problema básico com os comentários pós-liberais sobre temas económicos. Grande parte deles não se preocupa com o conhecimento que a economia nos oferece sobre a realidade, principalmente porque tal compreensão levanta questões incómodas sobre a sensatez de muitos programas económicos pós-liberais. Na melhor das hipóteses, isto equivale a uma imprudência por parte dos pós-liberais. Na pior, constitui arrogância e uma determinação em estigmatizar qualquer ideia que possa obstruir a implementação de algumas políticas comprovadamente falhadas.
Ignorância Intencional
Para que uma boa política económica seja politicamente viável é necessário considerar muitos factores, incluindo que concessões se está disposto a fazer. Mas qualquer pessoa que leve a sério o desenvolvimento de políticas económicas sólidas deve primeiro compreender algumas verdades económicas básicas e empiricamente verificadas sobre o assunto relevante, seja a tributação, o comércio, os salários ou as taxas de juro.
É claro que os economistas discordam sobre muitas questões políticas. Estas reflectem frequentemente diferentes prioridades normativas ou divergências técnicas. Mas, sejam eles neokeynesianos ou friedmanianos convictos, poucos economistas alegarão que “os incentivos não importam”, ou que “os preços de mercado devem ser ignorados”, ou que “não há consequências não intencionais”, que “podemos desconsiderar a relação entre a oferta e a procura”, que “a vantagem comparativa não é real”, ou ainda que “podemos viver num mundo livre de trade-offs“.
No entanto, os pós-liberais — e os seus equivalentes progressistas, como os proponentes da teoria monetária moderna (MMT) — propõem regularmente políticas que parecem desconhecer ou ignorar deliberadamente tais questões. Tomemos por exemplo a recente proposta de um pós-liberal: “Precisamos de resolver a crise do acesso à habitação nos Estados Unidos. O mercado não o consegue fazer, mas o Estado pode. Precisamos de uma hipoteca de 3% com taxa fixa e prazo de 30 anos para cidadãos americanos casados com menos de 30 anos. Chamem-lhe a Nova Lei da Habitação Americana.”
Um problema desta proposta diz respeito ao seu diagnóstico. A oferta de habitação é escassa em muitas partes dos Estados Unidos (especialmente nas grandes áreas urbanas) devido à falta de construção resultante de restrições de zoneamento e outras formas de restrições regulamentares. Por outras palavras, a intervenção estatal — e não o mercado — é um dos principais responsáveis para a escassez de habitação e para sua a crescente inacessibilidade. Isto deve fazer com que qualquer pessoa tenha receio de imaginar que mais intervenção pública possa resolver os problemas de habitação dos Estados Unidos.
Um problema mais geral com este esquema mental pós-liberal é que (tal como qualquer preço imposto pelo Estado), uma taxa de juro (preço) imposta pelo Estado para hipotecas para uma categoria de pessoas distorceria a capacidade do mercado imobiliário de reflectir o que realmente se passa nesse sector económico. Quando os preços se podem ajustar naturalmente, transmitem informações vitais sobre as preferências dos consumidores (procura sob a forma de mutuários que procuram hipotecas) e a disponibilidade de recursos (oferta sob a forma de casas disponíveis ou fundos para empréstimos). Hipotecas com taxas elevadas sinalizam escassez. Isto incentiva os fornecedores a produzir mais e os consumidores a reduzir o consumo de outros bens para que possam poupar para a entrada. Baixas taxas hipotecárias significam abundância de oferta e fraca procura, provocando a reação oposta.
Em contraste, uma taxa hipotecária de 3% imposta pelo Estado, significativamente abaixo das taxas de mercado (6% a 7% nos últimos anos), reduziria artificialmente o custo do empréstimo para os compradores qualificados. Mas isto distorce os sinais de preço, fazendo com que o empréstimo pareça mais barato do que a avaliação do mercado sobre as preferências dos consumidores e a oferta de habitação disponível. O aumento da procura resultante do que seriam efectivamente hipotecas subsidiadas provavelmente superaria a oferta, elevando assim os preços dos imóveis, especialmente se não ocorrer desregulação do zoneamento.
O preço do desinteresse
Que os Estados Unidos têm um problema de habitação acessível é incontestável. Mas o caso acima ilustra como a insuficiente atenção dos pós-liberais a algo tão elementar como a teoria básica dos preços se reflecte em propostas políticas que, se implementadas, agravariam os problemas que desejam resolver.
Subjacente a tudo isto, está um problema intelectual mais profundo que aflige os comentários económicos pós-liberais. No seu famoso Ensaio sobre a Natureza e o Significado da Ciência Económica (1932), o economista britânico Lionel Robbins enfatizou a forma como os críticos da economia “inspeccionam com excesso de zelo a fachada exterior, mas esquivam-se ao trabalho intelectual de examinar a estrutura interior”. Por outras palavras, não estão dispostos a realizar o trabalho árduo de se familiarizarem com a forma específica de lógica que sustenta a economia enquanto ciência social.
O economista alemão Wilhelm Röpke — profundamente interessado em muitas das questões que absorvem os pós-liberais — gostava de enfatizar a atenção da economia ao que chamou, no seu livro de 1937, Economia da Sociedade Livre, “a lógica das relações”. O foco da economia nestas interdependências era, acreditava Röpke, uma das coisas mais importantes a compreender para quem não era economista.
Era “uma segunda natureza”, sustentava Röpke, para o economista pensar em termos de relações empiricamente verificáveis; saber, por exemplo, que os salários e os níveis de emprego estão reciprocamente relacionados, ou que certas escolhas económicas têm efeitos secundários identificáveis (por exemplo, as leis do salário mínimo tendem a excluir os trabalhadores pouco qualificados do mercado de trabalho). O estudo consistente destas relações ao longo do tempo e a obtenção de um elevado grau de previsibilidade sobre os efeitos colaterais de decisões específicas eram, afirmou Röpke, o grande presente da economia para o crescimento do conhecimento humano. Como observa o filósofo do direito John Finnis, grande parte do poder explicativo da economia deriva da forma como “chama sistematicamente a atenção para os efeitos colaterais das escolhas, ações e comportamentos individuais”.
Uma vez compreendido este ponto, as dificuldades com muitas propostas económicas pós-liberais cedo se tornam evidentes. Reconhece, por exemplo, que uma proposta bem-intencionada para ajudar os jovens casais a comprar uma casa através de uma taxa de juro hipotecária imposta pelo Estado tem consequências não intencionais, mas previsíveis, que pioram a situação exactamente para as pessoas que pretende ajudar. O passo lógico seguinte seria os pós-liberais rejeitarem tais ideias. O facto de muitos não o fazerem sugere que são movidos mais pela ideologia do que pela razão.
Pós-Liberalismo obscuro
A indiferença pelos conceitos económicos básicos manifestou-se em expressões passadas do pós-liberalismo — incluindo a variedade mais obscura. Na década de 1930, Röpke viu-se confrontado com expressões específicas da economia pós-liberal, concretamente as políticas económicas adoptadas pelos regimes fascistas em Itália e na Alemanha. Os resultados das suas reflexões foram publicados num artigo de 1935 na revista Economia, intitulado “Economia Fascista“. Muitas das suas observações são tão aplicáveis à economia pós-liberal do presente como o foram à do passado.
Após a leitura dos ensaio económicos de intelectuais fascistas, Röpke ficou impressionado com a absoluta nebulosidade das suas ideias. Röpke era tão ferozmente anticomunista como antifascista, mas considerava o “programa anticapitalista do comunismo” “pelo menos claro e inequívoco”. Por outro lado, escreveu Röpke, o comentário económico dos fascistas italianos e dos nacional-socialistas alemães era caracterizado por uma “vacuidade loquaz que irrita o admirador da lucidez no estilo e no pensamento tanto quanto parece atrair as massas”. Viu-se “confuso com uma atmosfera de irrealidade lírica e de futilidade terminológica” que perpassava estes textos. Mas, acrescentou Röpke, “Que mais podemos esperar de uma combinação com tantas variáveis, em grande parte elusivas, onde as ideias principais são de carácter nebuloso, facilmente mutáveis e interligadas?”
Havia pouca preocupação, observou Röpke, em livros como Deutscher Sozialismus (1934), de Werner Sombart, com a teoria económica ou mesmo com a apresentação de “um programa fixo e claro”. Em vez disso, havia um romantismo e uma nostalgia desenfreados em relação ao passado, combinados com “filosofar sobre a suposta superioridade das considerações ditas políticas sobre as económicas — ‘der Primat der Politik uber die Wirtschaft’, na terminologia da literatura alemã”. Isto andava de mãos dadas com uma “atitude altiva” em relação às “questões básicas” com as quais os economistas normalmente se preocupavam e que nenhuma quantidade de conversa sobre a grandeza nacional conseguia disfarçar.
De forma alguma estou a sugerir que os pós-liberais de hoje sejam protofascistas. Mas os paralelismos entre as suas atitudes em relação à economia e as descritas por Röpke são inconfundíveis. Isto sugere uma forte ligação entre a rejeição do liberalismo e a recusa em levar a economia a sério. E isto, por sua vez, aponta para uma relutância pós-liberal em aceitar certas realidades relativas à condição humana, sejam elas o funcionamento do interesse próprio, a função dos preços e dos incentivos, ou o facto melancólico de que as boas intenções não bastam.
Nem todos têm de ser economistas, e a advertência do economista F. A. Hayek de que “um economista que não passa de um economista não pode ser um bom economista” nunca é demais repetir. Mas qualquer pessoa, pós-liberal ou não, que desdenhe as realidades para as quais a economia insistentemente nos encaminha deve abster-se de comentar temas como as taxas de juro, a política comercial ou as finanças. O nosso conhecimento pode ser limitado, mas a ignorância nem sempre é uma bênção. E a ignorância económica é francamente destrutiva.
Artigo publicado pelo Observador em 2025/09/26, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.
