O que esperar em 2024. O fim do dinheiro como o conhecemos

Daniel Lacalle                                                                                                                                                                .

Apostar no fim rápido da expansão inflacionária pode ser prematuro. Se a inflação diminuir conforme previsto, será em resultado da deterioração da economia e dos gastos públicos excessivos.

Os mercados fecharam 2023 com a recuperação mais forte em anos nas classes de acções, obrigações, ouro e criptomoedas. O nível de complacência era óbvio, registando um grau de “ganância extrema” no Índice de Ganância e Medo.

2023 foi também um ano inacreditavelmente mau para as matérias-primas, especialmente o petróleo e o gás natural, algo que poucos teriam previsto no meio de duas guerras com impacto geopolítico relevante e cortes significativos na oferta da OPEP+. Foi também um ano fraco para as acções chinesas, com crescimento económico mais lento do que o esperado, mas forte, e dos lucros robustos nas grandes componentes do índice Hang Seng.

Os mercados recuperaram devido a uma combinação de expectativas optimistas em relação à inflação e a cortes agressivos nas taxas por parte dos bancos centrais. A questão agora é: o que podem os investidores esperar em 2024?

O ano da desinflação só pode vir de uma recessão. As expectativas do mercado de uma redução maciça da inflação não podem resultar daquilo que os economistas chamam de «aterragem suave» (soft landing). A razão pela qual não assistimos a uma recessão em 2023 deve-se ao facto de a oferta monetária global não ter baixado dos 103 biliões de dólares e ter terminado quase no nível recorde de 107 biliões de dólares, segundo o Citi. Além disso, os governos dos países desenvolvidos continuaram a gastar como se a inflação e os aumentos das taxas não existissem. A política fiscal tem sido extremamente agressiva, enquanto a política monetária tem sido restritiva. Como tal, o declínio dos agregados monetários e o impacto dos aumentos das taxas recaíram sobre os ombros do sector privado.

A inflação diminuiu em linha com os agregados monetários, mas ainda não vimos o verdadeiro impacto na economia devido ao efeito de desfasamento. É provável que vejamos agora em 2024 o impacto em grande escala da contracção monetária de 2023. Se a economia enfraquecer e a procura agregada do sector privado cair, a inflação diminuirá conforme é previsível. No entanto, é quase impossível ver o tipo de economia em estado ideal que muitos investidores prevêem e atingir 2% de inflação.

Os cortes nas taxas do banco central só acontecerão em resultado de uma economia muito fraca. Os bancos centrais nunca agem preventivamente. Se acabarem por cortar as taxas em 150 pontos base, será porque o abrandamento da economia é severo. Não podemos apostar numa coisa e noutra. Se se acredita na tal «aterragem suave», não é de esperar seis cortes nas taxas. Alternativamente, se se acredita que os bancos centrais irão reduzir cinco ou seis vezes as taxas, as carteiras de investimento deverão estar preparadas para uma «aterragem forçada» – uma aterragem terrivelmente má, na verdade.

O preço das matérias-primas poderá subir à medida que o risco geopolítico cria um patamar e a procura marginal da China aumenta. Os mercados ignoraram a força da economia chinesa, que crescerá pelo menos 4,5% em 2023, porque o mercado de ações não teve um bom desempenho. Contudo, uma economia que cresce a este ritmo apesar dos imensos desafios do sector imobiliário, não deve ser ignorada. É provável que a procura marginal de matérias-primas aumente dado o patamar nos preços criado pelo risco geopolítico, conduzindo a uma recuperação no segmento de matérias-primas graças à procura marginal da China e ao rápido crescimento da Índia. À medida que uma maior parte da moeda recentemente criada se destina a activos relativamente alternativos, uma política monetária mais flexível também poderá ajudar a esta recuperação nas matérias-primas.

A América Latina e a Europa continuarão a decepcionar, enquanto a Ásia lidera o crescimento. Dadas as expectativas de que o pior já tenha passado e de uma recuperação relativa do euro face ao dólar americano, os mercados compraram acções e obrigações europeias. O mesmo acontece com os activos de risco da América Latina. No entanto, os problemas são mais profundos e complexos. O euro pode recuperar, mas a sua posição como moeda de reserva mundial está a enfraquecer em relação ao dólar americano e a concorrentes em ascensão como o yuan. A falta de crescimento da Europa não se deve a factores exógenos mas, tal como na maior parte da América Latina, é auto-infligida. A Zona Euro terminou 2023 em recessão, apesar dos baixos preços das matérias-primas e do Fundo de Próxima Geração da UE. O problema na Zona Euro e na maioria dos países latino-americanos é a implementação constante de políticas que prejudicam o crescimento e incham o peso do Estado. Para desfazer o pesadelo que o intervencionismo colectivista criou, a Argentina provavelmente passará por um ano de desintoxicação.

Devido à destruição monetária que os bancos centrais implementaram, os mercados accionistas poderão continuar a ter um desempenho satisfatório, mas a volatilidade provavelmente aumentará à medida que o optimismo do mercado entra em conflito com a realidade económica. Embora 2024 provavelmente não seja o ano das moedas digitais do banco central, elas estão em preparação, o que significa ainda mais desvalorização monetária. Neste ambiente, o Bitcoin e o ouro podem continuar a apoiar a luta contra a destruição do poder de compra das moedas. Não podemos ignorar a elevada volatilidade e risco do bitcoin, mas não podemos também esquecer que começou a separar-se de outras criptomoedas para ser uma classe de ativos própria.

À medida que os bancos centrais preparam o caminho para as moedas digitais, que são o que há de mais parecido com vigilância disfarçada de dinheiro, as reservas de valor são mais necessárias do que nunca. É provável que o ouro seja um bom activo descorrelacionado que protege contra a desvalorização das obrigações soberanas e das moedas nacionais.

2024 será provavelmente um ano de desaceleração significativa nas principais economias tendo em conta as tendências actuais do sector privado e um ano de aumento da dívida pública, que os governos tentarão disfarçar com a destruição do poder de compra da moeda. Nesse cenário, apostar no fim rápido da expansão inflacionária pode ser prematuro. Se a inflação diminuir conforme previsto, será em resultado da deterioração da economia e dos gastos públicos excessivos. Se a dívida e os défices governamentais continuarem a aumentar, a inflação poderá surpreender pelo lado negativo. De qualquer forma, a chave em 2024 será proteger-nos da destruição da moeda. Assim, investir não é apenas importante, mas crucial para sobreviver neste fim gradual do dinheiro tal como o conhecemos.

 

Artigo publicado pelo Observador em 2024/01/05, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.

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