José Meireles Graça .
Vai, como é natural, grande curiosidade sobre o novo Governo. Há alguma comoção sobre umas mudanças que não têm qualquer relevo, e uma para a qual vale a pena olhar.
As primeiras:
A Economia (o nome do ministério que se ocupa da torrefacção dos fundos europeus, em tempos fazendo parte, como devia, da pasta das Finanças) fica associado à Coesão Territorial. Esta tem um pretensioso e amplíssimo escopo – tutela a execução das políticas públicas respeitantes à gestão territorial. O que, na parte em que quer dizer alguma coisa, bem podia estar na Administração Interna.
Os fundos europeus são um veneno que enxundia a economia: financiam a concorrência desleal, potenciam a corrupção, facilitam a assunção de riscos empresariais insanos, alimentam agências caras e improdutivas, falseiam a liberdade de empreender, impedem a reforma do Estado porque o subsidiam e instalaram a ideia que está ao alcance de políticos e funcionários decidirem que empresas e que sectores têm e não têm futuro. Gerou-se a convicção de que, sem fundos, o país não pode crescer e que, com eles, convergirá com a “Europa”, que aliás qualquer dia também precisará de fundos para convergir com os EUA e a China. Ideia daninha, que os factos não confirmam, mas perene.
Porém, é impossível acabar com a subsidiação porque demasiada gente depende dela e dos poderes que confere, a começar por políticos da nebulosa europeia, departamentos bruxelenses, agências nacionais e sobretudo políticos domésticos, que com a famosa coesão garantem o poder da munificência e um módico de crescimento com dinheiro dado.
Impossível acabar, até porque o desmame seria doloroso. Mas deveria ser possível eliminar todo o financiamento a investimentos privados, fechar todas as agências com esse propósito, suprimir qualquer apoio à actividade ou despesas correntes do Estado, e canalizar todos os recursos da variedade mão-beijada do contribuinte europeu para investimentos públicos reprodutivos. Conduzidos pelo Estado (que, neste sentido, é uma abstracção, do que estamos a falar é de pessoas que decidem o que o Estado faz) é claro que as tolices seriam legião. Menos danosa todavia que o que temos tido. O progresso das empresas faz-se com Justiça eficaz, impostagem não predatória e simples, instituto falimentar rápido, eliminação da miríade de obstáculos grandes e pequenos à actividade económica, particularmente licenciamentos, e muitas outras coisas. Com subsídios? Não.
A Cultura deixa de ser ministério e passa para o da Juventude e Desporto. É uma mudança cómica porque a própria juventude não precisava mais de uma pasta que a terceira idade. E, já agora, também a meia-idade, desde logo com os problemas da menopausa e da andropausa, deveria ser objecto de atenção – no mínimo duas direcções-gerais.
Que seja ministério ou secretaria de Estado não releva. Será sempre um organismo que cuida muito dos vivos (isto é, directores disto e daquilo, artistas, criadores) e pouco do património edificado, museus, acervos, bibliotecas, etc. – tudo coisas que não berram a reclamar apoios nem escrevem nos jornais.
De modo que até aqui é lana-caprina, isto é, mais do mesmo.
Sobra uma dúvida: Vai ser um governo reformista ou não?
Foi criado um novo ministério, o da Reforma do Estado. Bom sinal, reconhece-se que o Estado precisa de ser reformado. Já tinha havido um ministério da Reforma Administrativa, em 1978 e 1981, que deixaram memória de coisa nenhuma, e houve várias secretarias de Estado com o mesmo propósito, esquecidas todas pela sua irrelevância.
Também há, desde 2006, o Simplex, agora mais discreto mas que nos tempos de Costa foi trombeteado como o abre-te Sésamo do Estado práfrentex, aberto, transparente e eficiente.
Sabe-se no que deu: um maná para empresas de software porque se deixou muitas vezes de ir aos balcões praticar a inutilidade que obriga as pessoas a lá irem, a qual se transplantou, via internet, para os sites dos vários serviços. Sites que, não poucas vezes, são um nó-cego desesperante porque em vez de serem, como deviam, testados por ignorantes, são-no por informáticos ou funcionários incapazes de calçar os sapatos do cidadão que não conhece os escaninhos da casa. E que ainda trouxeram essa coisa extraordinária de serem os próprios serviços a decidirem pela internet quem e quando atendem presencialmente.
Se alguém se desse ao trabalho de coligir as provas do crescimento de exigências burocráticas, declarativas ou outras, de dificuldades de licenciamento, e de multiplicação de taxas, por exemplo, descobriria que por baixo do verniz do simplex está um Estado obeso que não para de requerer mais alimento.
Vai reformar a Justiça, é, fazendo com que seja célere? E o ministro da Justiça faz o quê? Reforma os palácios, que alguns até metem água? Mas que faz então o das Infraestruturas? E vai aligeirar as exigências para licenciamentos de obras pelas câmaras municipais? Ah bom, não sei o que pensa disso o da Coesão Territorial, que superintende a Administração Local, cujo Secretário tem um medo que se pela do poder dos municípios. E na fiscalidade, vai simplificar, acabar com os poderes e abusos demenciais da AT? Eh lá, o SEAF deve ter duas ou três coisas a dizer sobre isso. Duas: Não; era o que faltava. A terceira: Talvez, mas de momento estamos assoberbados.
E é tudo assim. A reforma do Estado é transversal: ou o Governo todo está imbuído do espírito reformista (ou seja, diminuição do peso do Estado, dinamitação de legislação intrusiva, emagrecimento violento do dirigismo económico e um longo etc.) ou não.
Reformar é ferir interesses, mesmo que se arranjem expedientes (como é devido) para recolocar funcionários sobre os quais caia o machado da extinção de “serviços”. E é claro que o clamor será imenso.
O cidadão escolhido para a função parece para ela bem-talhado, não é impossível que faça algum trabalho de préstimo. Mas no essencial?
Enganei-me no passado mais vezes do que gostaria e, é claro, como qualquer cidadão temente a Deus arrependo-me. Desta vez também apreciaria vir a arrepender-me. Não me parece.
Artigo publicado pelo Observador em 20015/06/07, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.