Entre a identidade e a inclusão: os desafios das escolas multiculturais

Teresa Marto Augusto                                                                                                                                                                                  .

Permitir que jovens mulheres em escolas portuguesas, além do hijab, cubram o rosto por imposições religiosas ou culturais levanta sérias questões sobre direitos fundamentais.

Enquanto docente numa escola secundária e vice-presidente de uma associação que trabalha em projetos de desenvolvimento social acredito que o papel central da escola é proporcionar aos alunos o desenvolvimento de competências científicas e sociais. Contudo, observo que algumas escolas portuguesas, nomeadamente as que recebem alunos muçulmanos, estão a lidar com dois desafios complexos que, claramente, não deviam ser a sua missão primordial: o pedido de alguns estudantes de espaços específicos para oração e o uso de máscaras cirúrgicas pretas, por algumas alunas muçulmanas, que combinado com o hijab cobrem grande parte do rosto.

A falta de orientações claras deixa as escolas num impasse. As reuniões de professores onde se discutem estes temas são prolongadas e inconclusivas. Alguns professores defendem a cedência de espaços para oração alegando a liberdade religiosa e cultural, frequentemente comparando a situação à simbologia associada ao Natal nas escolas como aceitação cultural. Outros discordam argumentando que num estado laico não deve ser disponibilizado espaço para culto de qualquer religião. Sem diretrizes concretas os (as) assistentes operacionais “bem à maneira portuguesa” tentam improvisar soluções. Contudo, os espaços sugeridos não são, algumas vezes, aceites por estes estudantes, por não terem janelas ou por não permitirem a orientação certa.

A divisão entre as instituições públicas e a religião é um princípio fundamental. Num estado laico, como Portugal, faz sentido que as escolas públicas disponibilizem espaços para a prática religiosa?

Por um lado, é legítimo argumentar que a laicidade implica neutralidade, ou seja, não privilegiar nem excluir nenhuma crença religiosa. Disponibilizar espaços para oração pode ser visto como um gesto de inclusão e respeito pela diversidade cultural e religiosa, especialmente em comunidades escolares cada vez mais heterogéneas.

Contudo é importante não confundir inclusão religiosa com a erosão da identidade cultural. Tradições de influência cristã, como a celebração do Natal, estão profundamente enraizadas na nossa história e fazem parte da identidade coletiva. Abrir o precedente de criar espaços para cultos religiosos em escolas públicas pode trazer desafios, incluindo o risco de fragmentação e o questionamento de como atender a todas as crenças de forma equitativa.

Em Portugal, um país onde os números de violência doméstica sobre as mulheres são preocupantes, também, é essencial refletirmos sobre o exemplo que estamos a transmitir aos nossos jovens. Permitir que jovens mulheres em escolas portuguesas, além do hijab, cubram o rosto por imposições religiosas ou culturais levanta sérias questões sobre igualdade de género e direitos fundamentais. Afinal, a igualdade das mulheres não deve ser uma prioridade incontornável? Práticas como esta podem perpetuar a ideia de que o corpo e a identidade das mulheres devem estar sujeitos a controlo externo, algo que vai contra os valores democráticos e de igualdade que procuramos ensinar. Que mensagem estamos a enviar aos jovens, de ambos os géneros, ao aceitar tais práticas sem questionamento? Será que estamos a reforçar os estereótipos que tanto combatemos em outras áreas da sociedade?

Outra questão igualmente pertinente é o impacto emocional e social que estas imposições podem ter nas jovens mulheres. Embora a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) não tenham estudos específicos sobre o impacto emocional do uso de máscaras ou cobertura facial em jovens, estudos mais abrangentes apontam para os efeitos negativos. Estas investigações sublinham que a privação da expressão facial prejudica a comunicação, as interações sociais e o desenvolvimento emocional.

Se a nossa preocupação com o bem-estar emocional das crianças e jovens foi amplamente discutida durante a pandemia, quando o uso de máscaras se tornou obrigatório, como podemos ignorar esta questão agora, especialmente no caso das jovens que são obrigadas a cobrir o rosto por motivos religiosos ou culturais? Por outro lado, as expressões faciais dos alunos durante o processo de ensino-aprendizagem são um reflexo fundamental do seu envolvimento, permitindo aos docentes adaptar estratégias para promover uma compreensão mais substantiva e significativa. É, assim, hora de refletirmos sobre até que ponto práticas culturais e religiosas devem ser aceites no contexto escolar, e qual o impacto que têm não apenas no indivíduo, mas também na construção de uma sociedade mais igualitária e justa.

Como professora, questiono-me se o uso de máscara negra por alunas muçulmanas e o pedido de espaços dedicados à sua prática religiosa podem comprometer a laicidade do Estado português. Nesta discussão, não se trata de negar a diversidade cultural ou religiosa, mas de encontrar um equilíbrio que respeite a liberdade individual sem comprometer os valores fundamentais que promovemos enquanto sociedade. O que está em jogo é muito mais do que práticas culturais – é o futuro dos jovens a nível emocional, social e ético.

Urge, pois, que o Ministério da Educação, respeitando a autonomia das escolas, nunca comprometendo a neutralidade das instituições públicas e preservando os valores democráticos que nos norteiam possa dar orientações claras, em linha com a sua política de integração das comunidades migrantes, para que a escola não se desvie e se concentre no seu propósito fundamental: a formação de cidadãos bem preparados para a vida em sociedade, com sólidos conhecimentos científicos e competências sociais.

 

Artigo publicado pelo Observador em 2025/01/23, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.

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