José Meireles Graça
Lá caiu. Marcelo fez trinta por uma linha mas não adiantou: ao PCP e ao Bloco não poderia haver cedências que os contentassem porque nem elas eram credíveis (pelo contrário, os dois acham que vem aí uma crise e nesta o Governo e o PS fariam o que a Europa mandasse) nem resolveriam a alhada em que aquelas duas agremiações se meteram. É que, não obstante os numerosos exemplos históricos em que se poderiam ter inspirado, ambas estavam a ser sufocadas eleitoralmente pelo abraço socialista, pelo que corrigiram o tiro: na rua é que está bem quem é depositário de mensagens redentoras; e, de gabinetes, os dos sindicatos para uns e os das universidades e redacções das televisões para outros servem bem, à falta de melhor.
Diz-se que o PCP não é europeísta (e não é porque a Europa é capitalista e não deixará de ser), mas o Bloco sim. Na prática, não há diferenças: a Europa que convém ao Bloco é uma em que o capitalismo seja aperfeiçoado de tal forma que deixe de o ser.
Portanto, venham de lá as greves e as manifestações, que o Carnaval é daqui a dias.
De Costa ninguém sabe se fez cedências aberrantes porque, sendo como é uma pessoa genuinamente lunática nas ideias que julga redentoras para a economia do país, acreditava nelas, ou porque já contava que a comunistada não lhe comprasse a barganha e por isso quis amassar um capital de choraminguice para a campanha eleitoral, que na realidade desejava agora e não no fim normal da legislatura.
Vou mais pela segunda hipótese, sendo o homem, como é, um mestre da duplicidade e da falta de escrúpulos: já deixou o caminho juncado de cadáveres de camaradas e amigos, o que não é nada, e começou a sua encarnação como primeiro-ministro com o golpe de asa de se aliar a pestíferos, o que é muito.
A malta da estabilidade, um valor que, talvez como herança inconsciente do salazarismo, e rejeição consciente das três primeiras décadas do século passado, é tido em alta conta, geme. Sem razão: porque a estabilidade ao serviço de políticas de desastre apenas o aprofunda e, no caso, o Orçamento em duodécimos seria bem melhor que o asneirol aprofundado do que chumbou. É verdade que, agora que vamos ter um governo de gestão (deixo de lado a questão de saber se, não se tendo Costa demitido, os seus poderes são plenos e abrangem a mais que provável tentativa de usar o aparelho de Estado para efeitos eleitorais), à pilhagem no aparelho de Estado é provável que o PS junte mais uns quantos milhares de boys sôfregos de última hora, que será caro despedir. Mas isso pouco vale face, por exemplo, à revisão que já se alinhavava das leis do trabalho e à loucura da facilitação do acesso à reforma. Na realidade, todas as reversões feitas à legislação troiquiana, que foi em si mesma modestíssima no seu escopo reformista, foram um retrocesso que se vem vindo a pagar em crescimento débil e em comprometimento do futuro; a ideia de que o empreendedorismo precisa de estabilidade só é verdadeira se esta não consistir na continuação da demolição da liberdade económica e no aumento permanente da punção fiscal; e estabilidade tivemos muita nos últimos seis anos, mas acabamos relativamente mais pobres.
É certo que vai por aí muita propaganda a respeito dos pós que teremos crescido em relação à média comunitária, selecionando cuidadosamente um período curto onde isso se tenha verificado e contando com a floresta de dados para defender tudo e, se necessário, o seu contrário. Mas o ponto a reter é que as médias incluem países que, por razões várias, também têm crescido pouco, como a Alemanha, a França e a Itália.
Nenhum destes países, porém, tem o nosso problema atávico de atraso relativo e nenhum é um reservatório de mão-de-obra para a emigração qualificada e de empregados de mesa para servirem, obsequiosamente, a indústria do turismo dos loiros ricos que vêm ver as maravilhas ignotas dos cafres da Europa. Aqueles países que precisavam de esquecer o pesado manto do atraso soviético passaram ou estão a passar por nós; e para quem sempre defendeu que era, e é, o catolicismo pesado dos nossos avós que entravava o progresso, está aí a Irlanda, o mais claro caso de sucesso e aquele que seria mais prenhe de ensinamentos se a cáfila esquerdista que nos desgoverna pudesse aprender.
Vamos a eleições, então. Todas as pessoas que, como eu, evitam ver e ouvir a galeria de ineptos, treteiros e pataratas sortidos que nos pastoreiam e as televisões diligentemente nos enfiam todos os dias pela sala-de-estar, sorriram com alívio: o quê, não veremos mais Cabrita e a sua litania de escândalos e percalços, nem o tipo da Defesa e a sua linguagem inclusiva para militares moderninhos, nem o empregado de Nogueira que polui a Educação, nem Costa e a sua Conxituição, nem a mãezinha da Covid, nem aqueloutra empregada doméstica que superintende não sei em que pasta, nem aquelas caras e aquele paleio cansado da banha de cobra do progresso socialista a golpes de esmolas europeias e dívida que não cessa de crescer?
Infelizmente, a Direita não está na melhor forma, tem feridas que ainda não sararam (ou melhor, dúvidas sobre quais os enfermeiros adequados para delas se ocuparem), e as nuvens negras que já estão no horizonte o eleitorado, que é curto de vistas, ainda não as topa.
De modo que pode acontecer que lá para Fevereiro ou Março descubramos que ainda não foi desta que ficaram reunidas as condições para o volte-face. E, pior, não é impossível que em nome da salvação nacional se venham a criar as condições para um bloco central governar no meio do diabo que entretanto chegou, com o seu cortejo de diabinhos – inflação, agências de notação que afinal descobrem que não estamos no melhor dos mundos, BCE que se lembra de que a estabilidade dos preços é que é o seu mandato, frugais que engrossam a voz, e um longo etc.
Se for assim (e o bom que têm as previsões é que quase sempre a realidade as infirma), então a queda do Governo não terá valido a pena porque falência por falência é conveniente que o seu responsável fique perfeitamente identificado. Senão, ainda continuaremos a ouvir, como ouvi a um deputado aguadeiro do PS, e tenho ouvido a muitos outros, que aquela associação de malfeitores não foi a responsável pela elaboração do programa da troica.
De modo que ó cabeça, não penses, goza o momento: Cabrita vai-se embora.