Martim Moniz

José Meireles Graça                                                                                                                                                                                     .

Há racismo ou não há racismo? Tenho boas notícias: Não interessa. Porque a lei é cega e, portanto, não tem que tomar conhecimento das características físicas das vítimas.

As fotografias da operação policial no Martim Moniz, partilhadas até ao enjoo, chocam.

Isto fez com que rapidamente se começassem a desenhar três campos: um que defende a operação policial naqueles termos, outro que pendura ao pescoço da iniciativa acusações de racismo e pulsões securitárias interesseiras do governo para secar o terreno natural do Chega, e o último, escassamente povoado, que entende que este género de operações é necessário, tem precedentes e é desejável que se repita, mas não nestes termos.

Por partes: Há racismo? Os bairros e zonas que se distinguem pela criminalidade (assaltos, incluindo à mão armada, gangues, consumo e tráfico de droga, distúrbios sortidos, etc.) são invariavelmente pobres, desde logo porque aí residem imigrantes que estão na base da pirâmide dos salários e das profissões. Estes imigrantes são com frequência negros ou indostânicos e, na inexistência de estatísticas fiáveis porque, entre outras razões, há um interdito a fazer registos de crimes que considerem a etnia, cada qual alimenta o seu preconceito da maneira que melhor lhe apraza.

O crime de racismo é um desses modernos, importado dos EUA onde o problema existiu nas leis e nos costumes, e sobrevive agora no formato de fonds de commerce da esquerda para se confortar na sua imaginária superioridade moral e angariar clientelas eleitorais.

Seria bom que a legislação fosse clara e distinguisse as opiniões racistas (que, por abomináveis que sejam, são legítimas porque não se legisla o pensamento) das práticas racistas: uma coisa é achar que os seres com cor de pele ou formato dos olhos diferentes são tendencialmente inferiores e outra tratá-los como se tivessem menos direitos do que os restantes cidadãos. O legislador, ao não ser claro na distinção, abre a porta a que o berreiro da opinião pública infecte os tribunais e outros departamentos do Estado, que aplicam a lei com tanto menos certezas quanto mais elas são dúbias.

Um bom exemplo desta confusão mental é o crime de incitamento ao ódio e à violência (art.º 240.º do CPP), que é tratado em termos de tal modo amplos que atropelam o direito à livre expressão da opinião.

(A propósito, odeio comunistas por terem sido portadores das crenças mais destrutivas e mortíferas do séc. XX e ainda hoje defenderem os mesmos princípios que, ainda que recobertos com uma patine de actualização, quando levados à prática produzem os mesmos resultados. Em meu abono, tive e tenho amigos comunistas, por o ódio em abstracto a doutrinas e organizações deletérias não ter necessariamente que se traduzir em rejeições pessoais. E se não fosse o caso? Ai credo, que vinham aí os raios e coriscos daquele artigo).

E então, há racismo ou não há racismo? Tenho boas notícias: Não interessa. Porque a lei, que é cega e portanto não tem que tomar conhecimento das características físicas das vítimas, ocupa-se das agressões, violências, discriminações, danos e abusos praticados contra cidadãos. Se são pretos, mulatos, muçulmanos, brancos, ciganos ou Irmãos do Sagrado Coração de Maria, irreleva – ou deveria irrelevar.

Mesmo assim, estou convencido de que, se houvesse estatísticas fiáveis, se descobriria que certos tipos de crimes são mais prevalentes numas etnias que noutras. Mas que isso tem a ver com factores culturais e históricos, incluindo religiosos, e condições sociais, e nada com raças (conceito, aliás, de si discutível mas que me dá jeito utilizar neste contexto).

Por exemplo: A violência doméstica (outro crime da moda) é um adquirido nas comunidades muçulmanas, decorrente desde logo do estatuto de inferioridade da mulher; o casamento forçado de menores tem lugar, por exemplo, creio que frequentemente, nas ciganas; e a excisão genital feminina, uma violência sem nome, é vulgar em certas comunidades com essa tradição.

Parece que há uma iniciativa para uma “grande” manifestação no próximo dia 11, às 15H00, no Martim Moniz (hum, estou a ver que haverá um surto de absentismo no trabalho por parte dos visitantes e uma grande ausência dos residentes porque estão a trabalhar) sob o lema: NÃO DEIXES QUE TE ENCOSTEM À PAREDE, MARCHA. CONTRA O RACISMO, CONTRA A XENOFOBIA, CONTRA O PRECONCEITO.

Folclore esquerdista? Claro. Racismo não houve, não apenas porque os brancos não foram discriminados positivamente (pelo contrário: os dois detidos são brancos) mas também porque estava presente pelo menos um magistrado do MP, segundo os jornais, decerto para garantir a legalidade dos procedimentos; a xenofobia é o outro nome da prudência, não apenas porque resolver os problemas dos deserdados do mundo, e portanto acolhê-los a todos sem critério, é uma receita para o desastre porque a identidade nacional, os costumes e as leis, podem começar e provavelmente já estão a ser esgarçados, o que, inevitavelmente, é o ninho de onde nascerão confrontos que é melhor evitar; e de preconceito estamos conversados, que cada um tem os seus e o direito de os ter.

Dizem vozes credíveis que rusgas deste tipo já houve avonde, e sempre em bairros ou lugares problemáticos mas sem manifestações das demências protestárias wokistas; que os moldes da sua aplicação não diferiram desta; e que tais rusgas tiveram lugar sob governos de esquerda sem que se levantassem 21 virtuosas personalidades em estado de grande ansiedade com o “ataque ao Estado Social e de Direito”. E então, se é assim por que razão o terceiro grupo de que falava no segundo parágrafo me integra?

Um ponto prévio: É líquido que parte da comoção gerada por este caso tem a ver com o governo do dia e a existência do Chega, e portanto insere-se no escarcéu antigovernamental decorrente do facto de nem Montenegro nem o seu governo serem suficientemente esquerdistas.

Porém: fotografias chocantes como esta nunca tinha visto nenhuma, e comigo a esmagadora maioria das pessoas; o que se passa em Lisboa tem grande importância apenas para os locais, que se julgam o centro do país enquanto o resto dos habitantes julga que Portugal é o centro do mundo; não conheço bem Lisboa, e muito menos os bairros onde é melhor não ir à noite; e rusgas deste tipo acontecem vulgarmente lá fora, que se toma pela medida das coisas boas.

Boa esta não é: obrigar cidadãos a estar virados para a parede, com as mãos nela encostadas enquanto esperam uma revista, é uma humilhação que não apenas traduz uma intolerável relação de inferioridade para com as autoridades como desprezo pela dignidade da pessoa.

A segurança dos cidadãos (desde logo dos habitantes dos lugares problemáticos) é um valor essencial. Daí decorre que a compressão temporária de alguns direitos, como o da livre circulação, o da inviolabilidade do domicílio ou a privacidade dos pertences individualmente transportados, será necessária em nome daquela segurança, que não pode eficazmente ser realizada sem recurso, por exemplo, a rusgas.

Rusgas dentro da medida do necessário, que não inclui humilhações. Não acredito que os mesmos resultados não possam ser alcançados com um mínimo de respeito; e o entender-se o contrário é uma rampa deslizante para que abusos das polícias se transformem, na prática, no ordinário da missa.

Estava lá pelo menos um magistrado. Deve ter-se deixado convencer de que tinha de ser assim e com certeza há regulamentos aprovados que o permitem.

Não deviam. E muitos dos justiceiros meus amigos, que veem com simpatia estas partes gagas, decerto mudariam de opinião se, passando naquela rua àquela hora, fossem tratados como crianças malcomportadas.

 

Artigo publicado pelo Observador em 2024/12/27, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.

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