Diogo Hoffbauer .
“Cinco anos depois, voltámos às videochamadas para registar o que cinco personalidades aprenderam com a pandemia e o que fariam diferente. A covid-19 está no passado, mas ainda ninguém a esqueceu.”
É com este saudosista parágrafo que o Público, assinalando o quinto aniversário do circo-mor, apresenta o artigo “De Marta Temido a Nuno Markl – as figuras da pandemia em cinco retratos”. Aquilo que podíamos assumir tratar-se de uma rábula de apurado humor, é na verdade um exercício sério de vanglória. “Figuras da pandemia” – referidas também frequentemente nestes louvores como “Rostos da Pandemia”, ainda que outra parte da anatomia humana constituísse uma analogia mais fiel – simulam o regresso dos confinamentos e gravam vídeos em que, com admirável desfaçatez, retomam o tom professoral para nos voltarem a pregar sobre a sacralidade das práticas onanísticas antivirais.
Ora, se os jornais aproveitam a efeméride para reviver laudatórias nauseabundas, ouso retomar brevemente o tema com que, forçado, tanto me ocupei. Estou familiarizado com as reacções a este tópico: quem desejava seguir a sua vida com normalidade e denunciava os abusos e exageros, era considerado irresponsável e insensível; quando as mesmas pessoas abordam o tópico hoje em dia, são vistas como obcecadas e paranoicas. Sabemos ser precisamente o contrário: quem decidiu destruir o mundo com medo e insensatez, foi obcecado e paranoico, e quem opta por ignorá-lo agora é irresponsável e insensível.
Numa era em que as acusações de judicialismo se assumem como prática preponderante no universo político, nunca deixará de ser pertinente conjecturar acerca dos motivos que levam tantos políticos a estarem envolvidos em processos mediáticos e investigações judiciais por crimes de corrupção e incompatibilidades que, devendo naturalmente ser punidos, são insignificantes grãos de pó quando comparados com o colosso que foi o inimputável ataque à humanidade dos tentáculos da Big Pharma. Isto, claro está, e ousando incorrer em tamanho sacrilégio, contrariando o Público, quando afirma que “ninguém a esqueceu” – o próprio Público parece ter esquecido, a avaliar pelo tom anacronicamente hipocondríaco.
Independentemente do que cada um julga que realmente sucedeu – dos devotos que ainda hoje envergam o emblemático açaime aos que garantem que isto foi tudo obra inquestionável dos reptilianos – a verdade é que, durante estes anos distópicos, foram levadas a cabo práticas que manifestamente constituem vários delitos de incomensurável gravidade: variadíssimas medidas anticonstitucionais, violação dos direitos humanos, sufoco das liberdades mais básicas, fabricação de dados, ocultação de documentos, testemunhos falsos, censura institucional, corrupção e subornos da industria farmacêutica. Foram-no neste país, mas foram-no também em quase todo o mundo; e é nesta globalização da responsabilidade que se encontra o epicentro deste silêncio. Por terem sido perpetrados num conluio internacional, numa quadrilha globalizada, criou-se uma imunidade cúmplice universal.
No meio desta ensurdecedora omissão, entre uma comunicação social emocionalmente engajada, uma justiça comprometida e um povo entorpecido e apático, sobra muito pouca margem para impulsionar um movimento relevante que exija a justa investigação de tudo o que se passou. De facto, mais do que discretamente evadirem-se do braço curto e selectivo da lei, é seguro afirmar que “os rostos da pandemia” foram altamente recompensados pelo comportamento obediente. Essas recompensas foram atribuídas não só pelos ventríloquos, mas também pelo povo, dócil e crédulo.
Senão vejamos: António Costa, líder do governo no período totalitário, foi promovido a presidente do Conselho Europeu; Marta Temido, o rosto da Saúde, veio a ganhar umas eleições; Gouveia e Melo, marinheiro tornado promotor farmacêutico, vencedor de um Globo de Ouro pela brilhante actuação como prodígio logístico, será o futuro presidente desta triste república. Entre os influenciadores do processo de decision making das restrições de liberdade – dos quais me coibirei de referir nomes para evitar complicações legais que alguns corajosos denunciadores estão a atravessar – havia um médico deputado que implorava por mais medidas draconianas, porque nunca tinha visto tanta gente a morrer num só turno no hospital, foi nomeado como líder europeu na Fundação Obama; um herói das místicas reuniões no Infarmed, que foi distinguido com a Medalha de Serviços Distintos do Ministério da Saúde; outro profeta da desgraça, que promoveu uma vacinação infantil que se encontra actualmente proibida, recebeu nos últimos anos centenas de milhares de euros em avenças farmacêuticas; uma valquíria dos certificados vacuns, que foi nomeada directora do Instituto Ricardo Jorge no Porto. A lista continua, tão longa quanto a perna das mentiras que, Goebbels já o sabia, repetidas mil vezes, se materializam na consciência colectiva e banalizam o mal.
Enquanto a ralé, piolhosa e padecente, continua a ser chicoteada diariamente com as gravíssimas repercussões das ilegalidades e imoralidades por eles perpetradas – sob a forma de preços galopantes, destruição de serviços, mortalidade excessiva, demolição do pequeno comércio, atrasos na aprendizagem dos jovens, para listar apenas alguns – os “rostos da pandemia” instrumentalizaram a tragédia humanitária por eles promovida para engordar a carteira e catapultar a carreira para voos que a sua mediocridade parecia inviabilizar.
Durante esse período funesto, debati-me várias vezes com a questão de se este seria, ou não, um plano genial: por um lado, resultou na perfeição; por outro, houve tantas mentiras evidentes, tantas gritantes contradições, premissas tão absurdas, que a obediência global e tão prolongada se deve menos a um esquema logicamente bem engendrado e mais a uma manipulação mental e emocional inauditas, colocando a população como parceiro no crime, recorrendo ao ad hitlerum mais rasteiro, mais indecente, para legitimar castas e colocar nos que se oponham às políticas restritivas o ónus das mesmas. Foi, no fundo, o golpe perfeito.
Por isso, se tiverem de escolher um crime para cometer, optem por um que tenha como cúmplices quer os donos do regime, quer o povo assustado e envergonhado – garantindo assim que a vossa condenação jamais será exigida, deixando a vossa culpa cair no fundo poço da impunidade colectiva.
Artigo publicado pelo Observador em 2025/04/04, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.