Trump e o regresso do nacionalismo económico americano

Gonçalo Nabeiro                                                                  .

Algo que é apresentado como uma demonstração de patriotismo, como dizia Ronald Reagan, não é mais que um tiro no próprio pé.

O regresso de Donald Trump à Casa Branca é um marco histórico, um símbolo de mudança. O paradigma político internacional já atravessava um período de reconfiguração, mas as eleições de dia 5 de novembro galvanizaram todo um movimento à escala mundial que se une na resistência a um Leviatã global. A vitória de Trump representa a derrota da deriva woke, um movimento que se infiltrou nas sociedades ocidentais há mais de uma década e que se mascara de progressista para esconder a ausência de valores morais, destruindo pelo caminho as instituições que servem de base à nossa civilização. O Presidente americano foi o responsável pela vibe shift que aqueles que acreditam na liberdade desesperadamente precisavam.

Mas é a abordagem ao comércio internacional de Donald Trump que mais preocupa a direita liberal (no sentido clássico) ou liberal-conservadora. Se é verdade que a relação comercial com a China é peculiar, em virtude de serem as duas superpotências do momento que se digladiam numa II Guerra Fria, também é verdade que esta nova administração americana está a adotar uma política comercial com base em várias falácias.

Antes de as abordar, é importante notar que as tarifas fazem parte de um jogo duplo de Trump, que mesmo sendo um protecionista convicto tem provado que as taxas alfandegárias funcionam para ele como instrumento de extorsão no momento de negociar com líderes externos, independentemente de serem ou não aliados. Aconteceu com o Canadá e com o México, quando Trump quis que ambos os países abordassem de forma mais firme a questão do controlo das fronteiras, e com a Colômbia, quando Gustavo Petro se recusou a aceitar um voo de deportados. Por outras palavras, as tarifas são para Trump uma forma de política de poder.

Voltando à questão comercial, é claro que Trump tem pouca simpatia pela visão smithiana – e ricardiana, também – do comércio. Esta veia protecionista fica bem patente na sua reverência ao Presidente William McKinley (no discurso inaugural de 20 da janeiro, disse que “McKinley tornou o nosso país muito rico através das tarifas e do talento”) e restam poucas dúvidas de que o novo Presidente acredita piamente que submeter produtos estrangeiros a tarifas elevadas acabará por proteger os produtores nacionais, estimulando a sua produção e agarrando-se à ideia de que isso irá traduzir-se-á em mais empregos e melhores salários para os americanos.

Ora, isto não poderia ser mais errado. Aumentar o preço dos produtos estrangeiros para tornar os nacionais mais competitivos significa duas coisas: primeiro, que a produção nacional de um determinado produto não é eficiente, uma vez que não consegue sobreviver num mercado assente na livre concorrência e necessita de ser beneficiada pelo Estado; segundo, que são os consumidores a suportar a maior parte do fardo de manter de pé essas empresas ineficientes, que não conseguem colocar no mercado um produto cuja relação custo/qualidade seja atrativa para quem o pretende adquirir. De forma resumida, as tarifas traduzem-se em mais um imposto que os cidadãos, já estrangulados por um gigante polvo fiscal, serão obrigados a pagar, algo que aflige qualquer um que advogue pela liberdade.

Outra das falácias mais comuns que serve de justificação ao argumento protecionista é a do défice comercial. Na visão de Trump, se os Estados Unidos importam mais de um país do que aquilo que para ele exportam, estão a incorrer num défice comercial que acabará por resultar numa dívida. Mas isto, claro, não é verdade. O comércio não é um jogo de soma nula, e é isto que os protecionistas teimam em não entender. Esta máxima é válida tanto entre países – digo países como maneira de simplificação, já que os países, de uma forma abstrata, não são agentes económicos – como entre indivíduos e uma loja ou um supermercado, por exemplo. Se um país estrangeiro consegue oferecer aos consumidores um produto de melhor qualidade a um melhor preço, porque haveria de ser impedido pelo Estado de o fazer? E que direito tem o Estado de privar os seus cidadãos de aceder ao mesmo?

Adam Smith resumiu esta questão de forma lapidar: “Se um país estrangeiro nos pode fornecer um produto mais barato do que nós próprios o podemos fabricar, é melhor comprá-lo a esse país. (…)  Em todos os países, é e deve ser sempre do interesse da maioria das pessoas comprar o que quer que seja a quem o vende mais barato. A proposição é tão evidente que parece ridículo esforçar-se para prová-la; nem poderia ter sido posta em questão se os sofismas interessados dos comerciantes e fabricantes não tivessem confundido o senso comum da humanidade. O seu interesse é, a este respeito, diretamente oposto ao do grande corpo do povo”.

J. D. Vance, um político cuja capacidade intelectual é indubitável, também não entende as consequências devastadoras da política tarifária, escudando-se num patriotismo que acaba sempre por ser contraproducente. O vice americano disse o seguinte: “Estamos fartos de sacrificar as cadeias de abastecimento para um comércio global ilimitado, e vamos estampar cada vez mais produtos com o belo rótulo “Made in the U.S.A”. Mas conseguirão os americanos produzir, por exemplo, chocolate da mesma qualidade que os suíços? Ou vinho da mesma qualidade que os franceses, portugueses e espanhóis? E a liberdade dos consumidores americanos para escolher um produto estrangeiro deve ser castrada ou, pelo menos, dificultada através de preços altos artificialmente impostos pelo Estado?

Em suma, algo que é apresentado como uma demonstração de patriotismo, como dizia Ronald Reagan, não é mais que um tiro no próprio pé. No curto prazo assistimos, na verdade, a indicadores positivos provenientes das políticas protecionistas, mas no médio-longo prazo estão destinadas ao fracasso, conduzindo a economia a um lugar muito escuro. As empresas nacionais, protegidas pelas tarifas, acabam por se sentir seguras sob a alçada do Estado, não tendo assim o maior incentivo que um mercado livre oferece a quem nele opera: o de poupar, investir e inovar com o objetivo de apresentar o melhor produto ao melhor preço. Os preços acabam por subir, os indivíduos compram cada vez menos e chegamos ao inevitável resultado: as empresas acabam por quebrar, perdem-se os tais postos de trabalho que se queriam proteger em primeiro lugar e a economia entra numa espiral negativa.

Ainda quanto à questão do défice comercial, principalmente quando o objeto de estudo é a economia americana, há outro aspeto importante a ter em conta. O economista Daniel Griswold, citado pelo Cato Institute, diz que “a saída total de dólares todos os anos dos Estados Unidos para o resto do mundo é acompanhada por uma entrada igual de dólares do resto do mundo para os Estados Unidos”. “Os dólares gastos em bens e serviços importados regressam aos Estados Unidos”, continua, “se não para comprar bens e serviços americanos, então para comprar ativos americanos sob a forma de um fluxo de investimento interno”.

Recorrendo a dois dos exemplos mais conhecidos – o de McKinley e o Smoot-Hawley Act de 1930 -, as consequências das políticas protecionistas são visíveis ao longo da história. No primeiro caso, após a implementação de tarifas, o Partido Republicano perdeu as eleições seguintes dado o aumento dos preços finais para os consumidores americanos. No segundo, os impactos foram ainda mais nefastos. Houve uma queda a pique do comércio internacional a partir de 1930, o que acabaria por agravar os problemas causados pela Grande Depressão de 1929. Como bem escreveu Carlos Guimarães Pinto há uns dias no Sapo, “desenlaçar a rede de tarifas e retaliações produto a produto, país a país, demorou muito tempo, muito esforço diplomático. Foi um trabalho de décadas para que o mundo conseguisse voltar ao mesmo nível de trocas comerciais que havia nos anos 20”, e Trump está a colocar em xeque não só estes esforços como também os que foram feitos nas últimas quatro ou cinco décadas para manter o comércio internacional a funcionar devidamente.

Este tema é amplamente discutido há séculos, mas, como tudo isto parece ainda não ser “senso comum”, como dizia Adam Smith, nunca é demais voltar a reforçar a ideia de que o caminho para o desenvolvimento se faz através da liberdade individual e, consequentemente, da liberalização do comércio.

 

Artigo publicado pelo Observador em 2025/03/21, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.

Share This
Scroll to Top