Tu és Pedro!…

Abel Tavares                                                                     .

Um Papa pode ser bom, mau ou péssimo (e houve de tudo na história da Igreja), mas nem os piores conseguiram derrubá-la.

Com as recentes notícias sobre o estado de saúde do Papa Francisco, muito se tem especulado; o olhar do mundo volta-se para o Papa e para a Igreja. Recuperará ele e retomará as suas funções? Quem serão os cardeais com voto eletivo? Qual o legado do seu pontificado? O que esperar nos próximos dias? De um lado, os seus detratores; do outro, os seus seguidores. Mais do que especular sobre sucessores ou mudanças, importa primeiro esperar que o Papa melhore; segundo, refletir sobre como uma instituição com quase dois mil anos resiste a crises, desafios e ataques. Num mundo em constante mutação, a Igreja mantém-se como um farol, não porque se adapte às modas, mas porque é sustentada por uma promessa que transcende o tempo.

Por mais que o Ocidente se deixe levar por derivas relativistas e materialistas, é inegável que muitas das bênçãos civilizacionais que hoje damos por adquiridas se devem à Igreja Católica: direito natural, transcendente dignidade do homem, fraternidade universal, assistência social e humanitária, com profusão de orfanatos, hospitais, escolas, universidades, avanços científicos. Já tive a oportunidade de abordar este tema anteriormente. Contudo, se o futuro da Igreja – imediatamente – parece passar mais pela Ásia e África do que pelo velho continente, uma questão essencial se impõe: como é que uma instituição com quase dois mil anos persiste inamovível como uma rocha, apesar de escândalos, corrupção e crises internas?

A resposta pode estar na célebre frase do Cardeal Consalvi, Secretário de Estado do Papa Pio VII. Quando Napoleão ameaçou destruir a Igreja, Consalvi respondeu: “Se nem nós próprios conseguimos destruí-la nestes dezoito séculos, muito menos conseguirá Vossa Majestade!” A força desta resposta reside na sua verdade evidente. A Igreja sobreviveu não apenas a ataques externos, mas também a crises internas, a fraquezas dos próprios líderes eclesiásticos e a guerras de poder nos bastidores. Um Papa pode ser bom, mau ou péssimo (e houve de tudo na história da Igreja), mas nem os piores conseguiram derrubá-la. Se os próprios eclesiásticos, fiéis e leigos, com todos os seus erros e escândalos, não foram capazes de destruí-la, como poderia fazê-lo um imperador cujo horizonte era meramente político?

Muitos, alheios à fé, desejam “grandes revoluções” na Igreja, para que esta se molde aos seus ideais e visões de sociedade. No entanto, mudando o tom do discurso ou não, a Igreja mantém-se firme. Não porque seja uma ONG ou uma organização humana sujeita a modismos, mas porque a sua fundação não é mundana, antes sobrenatural, espiritual e de corpo místico, nascida da fé no Deus que se revela em Cristo. A Igreja não é democrática nem aristocrática – é carismática. E é aí que reside a sua força: no carisma da fé dos seus fiéis; em primeira e última instância, em Cristo Redentor.

Mas então, como conseguiu a Igreja sobreviver ao longo dos séculos? Nações, impérios e instituições surgiram e desapareceram, mas a Igreja permanece. Ela foi fundada sobre a rocha de Pedro e continua presente, sustentada pela promessa de Cristo: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela.” (Mateus 16:18)

Jesus entrega a Pedro as chaves como sinal da sua autoridade: “Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus.” (Mateus 16:19). Chesterton refletiu sobre essas chaves, dizendo que elas têm uma forma estranha e são duras. O Credo da Igreja, desenvolvido a partir da confissão de Pedro, é complexo e paradoxal, não saído de elucubrações humanas, embora resultando da tradução da fé em linguagem humana. É inflexível e imutável, mas ao mesmo tempo adaptável aos tempos e suas diversas linguagens e culturas, numa exegese e hermenêutica de continuidade – porque a sua finalidade é abrir uma porta muito específica, permanente, a das Fontes da Revelação, conducentes à fruição pessoal e comunitária, sempre atual e renovada, do mistério salvífico de Cristo.

Independentemente da inquietação quanto ao que pode acontecer nos próximos tempos e dos que nos levaram até aqui, é bom recordar que Cristo não escolheu o seu apóstolo predileto para fundar a Igreja. Antes, escolheu Pedro. E isso não foi por ele ser célebre, confiável ou brilhante. Pelo contrário, Cristo escolheu um homem com falhas evidentes, um homem impulsivo, um homem que negaria o seu Mestre três vezes. A Igreja seria edificada sobre uma rocha, mas uma rocha humana, frágil, repleta de imperfeições. Esse é o grande paradoxo do Cristianismo: construir sobre a fraqueza e transformar a fragilidade em força.

Chesterton captou essa lógica paradoxal de forma brilhante: “Quando Cristo, num momento simbólico, fundou a sua grande sociedade, não escolheu como pedra angular nem o brilhante Paulo, nem o místico João, mas um desleal, um snob e um cobarde – numa palavra, um homem. E sobre esta pedra construiu a Sua Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Todos os impérios e reinos falharam, por causa desta fraqueza inerente e contínua: foram criadas por homens fortes e tendo homens fortes como alicerces. Contudo, só isto, a histórica Igreja Cristã, foi fundada sobre um homem fraco e por essa razão é indestrutível; nenhuma corrente é mais forte que o seu elo mais fraco(Hereges 1905)

Chesterton inverte a lógica do mundo: em vez de um homem impecável e perfeito como Cristo, Deus escolhe um homem falível, e é exatamente isso que torna a mensagem cristã tão poderosa. A santidade não é um objetivo reservado aos perfeitos, mas sim aos comuns. Deus não escolhe os capacitados, mas capacita os escolhidos. Aconteça o que acontecer, temos esta segurança: nenhum pontífice governa ou define sozinho o destino da Igreja, toda ela trabalhada pelo Espírito Santo. A rocha sobre a qual ela foi fundada, o próprio Cristo, permanece, assim como a validade e perenidade das suas promessas.

 

Artigo publicado pelo Observador em 2025/02/28, integrado na coluna semanal da Oficina da Liberdade.

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